AGÊNCIAS DE CASAMENTO

44 0 1
                                    

Eu conheci meu marido quando fui passar um fim de semana na casa de amigos. Mas

poderia ter sido numa festa, na praia, no local de trabalho. Poderia ter ficado presa com ele

num elevador. Poderia ter dividido com ele um táxi num dia de chuva. Poderia ter sentado ao

lado dele num avião. Só não poderíamos ter sido apresentados por uma agência de

casamentos: ao cruzar nossos dados, ninguém apostaria um níquel em nós, e mais uma história

de amor não teria começado.

Quando alguém busca uma agência de casamentos, está buscando o par ideal. Moreno,

um metro e oitenta, esportista, dono do próprio negócio, carro do ano, que adore viajar, fale

seis idiomas, seja carinhoso, romântico, bem-humorado, órfão de pai e mãe e único herdeiro

de uma tia milionária. Será que existe um candidato assim? Se existir, deve estar reservado

para uma jovem de corpo escultural, que adore cozinhar, seja econômica, inteligente, delicada,

independente e que esteja pensando seriamente em seguir carreira de top model, já que

costumam confundi-la na rua com a Linda Evangelista. Nascidos um para o outro, até que saem

para o primeiro chope do resto de suas vidas.

As agências de casamentos proporcionam encontros entre casais que potencialmente se

completam. Homens e mulheres na mesma faixa etária, com hobbies e temperamentos afins têm

mais chance de se encontrar num disquete de computador do que no balcão de um bar de uma

grande cidade. Até aí, as agências de casamentos são mesmo um grande negócio. Você não

precisa pagar um drinque para alguém que cinco minutos depois vai estar contando que não

pisa num cinema há onze anos, só bebe Campari, é louca pelo Latino e que o último livro que

leu foi Meu Pé de Laranja Lima, porque a professora mandou. Uma agência de casamento

pode providenciar para que esse poço de cultura e Arnaldo Jabor nunca sentem na mesma

mesa.

As afinidades são responsáveis pelo início da maioria dos relacionamentos. Mas na

manhã seguinte, quando acordarem juntos, pouco vai importar se ela gosta de comida italiana

ou se ele é um ótimo contador de piadas. Os hábitos de higiene, o humor matinal, a toalha

molhada jogada no chão, tudo isso também faz parte do romance. Estarão estes dados no

cadastro de um candidato a marido? "Ronco a noite toda. Não gosto que o lençol fique preso

nas bordas da cama. Fumo no quarto, sim, e daí?"

Ou no cadastro dela: "Grito no telefone. Sempre tranco o carro com a chave na ignição.

Costumo estourar meus cartões de crédito. Levo duas horas para trocar de roupa. E não conte

comigo nas segundas-feiras, porque não perco o programa da Hebe por nada deste mundo".

O sucesso de um relacionamento está nos detalhes: na maneira como cada um aceita os

defeitos que não foram confessados no primeiro dia, no bom humor para lidar com as coisas

que não saíram como o planejado, no apoio que se dá e se recebe incondicionalmente,

estejamos no auge ou na beira do abismo. Está na cama, no quarto, do lado de dentro da casa.

Não basta o casal ter gostos comuns, é preciso que estejam ligados na mesma voltagem, e isso

só se descobre no dia-a-dia. Qualquer homem que me dissesse "odeio carnaval, adoro viajar

de trem, não suporto música sertaneja, gosto de queijo, de beijo, não gosto de turma, prefiro

sair só nós dois" poderia parecer meu príncipe encantado. Mas bastaria um preconceito, uma

grosseria, uma indiscrição, e o príncipe viraria sapo num estalar de dedos. Almas gêmeas não

se cadastram.

Abril/97

ToplessOnde histórias criam vida. Descubra agora