A LOTERIA DOS ESPERTOS

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A edição de 9 de agosto da revista Veja, que circulou semana passada, trouxe duas


notas e uma pequena matéria que tratavam do mesmo assunto: indenizações. A revista noticiou


que uma garota de 13 anos receberá um milhão de reais das Lojas Americanas por ter sofrido


"um trauma irreparável" ao ser acusada de roubar um caderno. Em outra página, soubemos


que quinze funcionárias de uma empresa de cosméticos americana irão receber 1,2 milhão de


dólares por terem sido vítimas de assédio sexual. A acusação: um executivo tocou no seio de


uma delas, abusou dos palavrões e compareceu a reuniões com a braguilha aberta. E,


finalmente, a revista publicou a história de um deputado estadual que, anos atrás, comandava


um programa policial de rádio bastante polêmico, e que ganhou na Justiça o direito de ser


indenizado pela Rede Globo de Televisão, que foi acusada de ter se inspirado no radialista


para construir um personagem da novela O Salvador da Pátria, exibida em 1989. O milhão do


deputado já poderia estar a caminho, mas ele achou a quantia insignificante diante dos seus


danos morais e patrimoniais e recorreu.


Todos estes casos foram julgados, e uma vez decretada a sentença, não há por que


duvidar de que, de uma maneira ou de outra, os réus tenham mesmo sofrido alguma espécie de


constrangimento. Eu também não acharia nada engraçado se um segurança truculento viesse me


acusar de estar roubando um ovo Kinder que fosse, e iria me indispor bastante com um chefe


metido a engraçadinho.


É claro que empresas e funcionários que cometem erros precisam assumir a


responsabilidade de seus atos, mas é no mínimo estranho ver nossa intimidade ganhar um


preço no mercado. Quanto vale passar uma vergonha? Quanto custa uma intimidação? De


repente ficou muito fácil ganhar um milhão de dólares, bastando para isso estar no lugar certo


com a pessoa errada e ter um bom advogado. Não estou dizendo com isso que um pedido de


desculpas é suficiente para fazer tudo voltar ao normal. Perder dinheiro é o pior castigo, tanto


para pessoas físicas como jurídicas, e quando se trata de uma quantia vultuosa, não há quem


não aprenda a lição. Mas fica no ar um cheirinho de exploração que acaba por deixar um


pouco nebulosa a inocência da vítima.


Não é o caso de um paciente que entra num hospital para tirar um cisto e sai de lá sem


as duas pernas. Não é o caso de um filho que vê seu pai e sua mãe serem atropelados por um


motorista bêbado e fica sem ter quem o sustente. Não é o caso de milhares de pessoas que


perdem suas casas, sua saúde e sua família por negligência alheia e com isso têm sua


trajetória de vida totalmente modificada pelo destino. Essas pessoas merecem ser ressarcidas


pelo seu prejuízo, e não importa a quantia determinada, sempre será pouco para quem perdeu


a chance de ser feliz.


Estamos agora vivenciando um momento histórico no Brasil, onde o governo finalmente


assumiu a responsabilidade pelos desaparecidos durante o regime ditatorial e vai, com um


atraso imperdoável, emitir atestados de óbito e indenizar as famílias que, além da dor,


cultivaram estados civis incertos, sem direito a receber pensões e seguros de vida.


É complicado selecionar quem tem e quem não tem o direito de ser recompensado por


uma lesão. É difícil calcular pagamentos justos. É incômodo associar sentimentos com dinheiro. O ideal seria julgar todos os casos através do bom senso, não fosse utópico. Resta


confiar na lei e torcer para que haja mais discernimento. Se ninguém quer ter sua dignidade


colocada em dúvida, o primeiro passo é parar com esse truque de dormir ofendido para


acordar milionário.

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