RIO GRANDE, AME-O E DEIXE-O

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Pouco tempo atrás o jornal Zero Hora divulgou o resultado de uma pesquisa sobre o

sentimento do adolescente gaúcho a respeito do Rio Grande do Sul. Foram ouvidos jovens de

várias cidades do estado, na faixa dos 16 aos 22 anos. Resultado: mais de 80% tem orgulho da

terra onde nasceu. A maioria não viveria em nenhuma outra cidade, tem os pais como ídolos e

sentiria muita saudade de casa se fosse passar um tempo fora. Para mim, botaram alguma coisa

no chimarrão dessa gurizada.

O resultado da pesquisa não surpreende. O Rio Grande do Sul é mesmo macanudo. É

bonito, tem uma cultura rica, um povo trabalhador e as quatro estações do ano bem definidas.

A qualidade de vida é uma das melhores do país. É um estado que valoriza o esporte, a

gastronomia, a educação. Está estrategicamente localizado entre as praias semicaribenhas de

Santa Catarina e o cosmopolitismo de Punta, Buenos Aires, Santiago. Adoro o Rio Grande.

Posso cair de pau agora?

O Rio Grande do Sul vive para dentro. Cultiva suas tradições como um pai feroz cuida

da filha donzela. As campanhas publicitárias são um termômetro desse regionalismo

exarcebado. Até bem pouco tempo não se fazia propaganda de banco estatal sem bombacha,

cuia e chimarrão. Podia-se jurar que, ao entrar no Banrisul, encontraríamos o Paixão Cortes

atendendo no caixa. Mais: o protecionismo gaudério não deixa que se critique a literatura

gaúcha, os músicos gaúchos, a costela gaúcha. Quem ousa substituir o tu pelo você corre risco

de ser linchado, mesmo que o coitado esteja morando no Rio desde os dois anos de idade.

Aqui é terra de macho. Leve o Rio Grande no Peito. A Força do Rio Grande. O Orgulho de

Ser Gaúcho. Nossa Terra, Nossa Gente. A la putcha, tchê!

Eu, aos 18 anos, queria tudo, menos ficar sentada na frente do Guaíba contemplando o

pôr-do-sol. Queria conhecer outros lugares, outras pessoas, outros costumes. Tinha a

curiosidade e a inquietude naturais de qualquer adolescente. Necessitava contestar,

experimentar outras vivências, ou outras querências, vá lá. Não era preciso drogas nem

bebidas para isso. Bastavam alguns livros e uma cabeça aberta ao novo.

Não via o Rio Grande do Sul como o meu lugar: o mundo era o meu lugar. Eu era o

slogan ambulante do American Express. E sou assim até hoje. Nosso estado é como a casa da

gente, um lugar para se voltar no final do dia, para se encontrar a família, para se tirar os

sapatos e jogar-se no sofá. Gostar da região onde se nasceu é que nem gostar de pai, de mãe,

de filho: podem ter todos os defeitos do mundo que ama-se do mesmo jeito. Os

pernambucanos, cearenses e baianos que vivem em São Paulo estão lá a trabalho, tentando

ganhar a vida, mas é pelo Nordeste que batem seus corações. Família e pátria estão sempre de

portas abertas, podemos ir e voltar a qualquer hora, não é preciso ficar guardando o lugar.

Orgulhar-se do que é nosso é saudável. Mais que isso, é prova de bom-caratismo. Mas

o confinamento é terreno fértil para preconceitos. O gaúcho não gosta de mudar de colégio, de

bairro, de clube. Olha feio para vegetarianos, é sarcástico com mulheres independentes,

debocha de gays e não freqüenta lugares ecléticos. Não todos, mas muitos são assim,

principalmente aqueles que só olham para o próprio umbigo.

Ser gaúcho não é uma escolha, é um acaso do destino. Poderíamos ter nascido no Acre,

mas nascemos aqui. Também poderíamos ter nascido em Paris, mas nascemos aqui. Tudo é

uma questão de ponto de vista. Quanto mais longe se olha, melhor se enxerga o que está perto.

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