LITERATURA PÓSTUMA

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Cuadernos de Temuco, uma seleção de 200 poemas que Pablo Neruda escreveu quando ainda era um jovem desconhecido, foi lançado há poucas semanas em Santiago do Chile.

Sejam eles poemas bons ou medíocres, devem estar sendo bem recebidos pelo público. Obras

inéditas de escritores falecidos são sempre bem-vindas, ainda mais quando o escritor é um

Prêmio Nobel de Literatura. Resistir, quem há de?

No entanto, sempre que leio a notícia de que uma obra póstuma e inédita está sendo

lançada, fico com os fios do cabelo eriçados. Como receberia a notícia o ilustre autor que jaz

embaixo da terra? Mudo, inerte, inconsciente, como ele poderá manifestar-se diante da

exposição pública daqueles versos, crônicas ou contos cometidos aos 15 anos, quando a

ingenuidade era muita e a experiência, nenhuma? Só mesmo mandando o espírito vir puxar os

pés do editor e dos membros da família que autorizaram a indiscrição.

Mente o escritor que diz não desejar a imortalidade. Mente também o pedreiro, o

açougueiro, o chefe do almoxarifado. Todos nós queremos continuar marcando presença

depois de passar dessa para melhor, e por isso fazemos filhos, plantamos árvores, escrevemos

livros. Mas devagar com o andor. Queremos ser lembrados pelo que acreditamos ter feito de

melhor, não pelo que encontraram escondido e amassado no fundo da nossa gaveta, como um

cachorro sem dono.

Caio Fernando Abreu admitiu muitas vezes em entrevistas que o seu Ovelhas Negras

era um livro póstumo organizado em vida. Ele próprio preferiu fazer a faxina nos seus

rascunhos e avaliar o que era publicável ou não. Sorte nossa, que tivemos o prazer de ler

belas histórias que em nenhum momento comprometem o talento do escritor. Já o também

ótimo Pequenas Epifanias foi lançado depois que Caio faleceu, mas é um livro que reúne

crônicas que haviam sido publicadas anteriormente nos jornais do país. É um resgate para a

posteridade. O problema são os inéditos.

Tudo o que passou pela minha cabeça dos 16 aos 20 anos está anotado em três cadernos

de 200 páginas cada um. Delírios, sonhos, vivências, letras de música, listas de filmes, o céu

e o inferno de uma adolescente típica. Ninguém nunca viu nem a capa destes cadernos. Já

estive com eles bem perto da boca do fogão, mas na hora agá não consegui cremá-los. Penso

que eles podem me ajudar a entender minhas filhas mais tarde, quando elas se trancarem no

quarto porque o namorado estava estranho no telefone ou porque não foram convidadas para

uma festa. A gente esquece como esses pequenos problemas são enormes.

Meus cadernos continuarão a existir e quem ousar publicá-los terá noventa anos de azar,

é uma praga poderosíssima que só eu e a Mônica Buonfiglio conhecemos. Quanto aos mais de

quatrocentos poemas que escrevi dos 13 aos 17 anos, tudo na santa paz: incinerei um por um

na tarde mais divertida da minha vida. Nada de disquetes, nenhuma cópia. Publicação

póstuma? No way.

Publicar originais sem o consentimento do autor é golpe baixo. Até pode acontecer de

uma obra genial vir à tona depois de séculos de sepultamento, mas é raro. Quase ninguém

encontra um Cem Anos de Solidão esquecido no fundo do baú. Na maioria das vezes, obras

póstumas são obras menores, cujo valor é mais sentimental do que artístico. Seu único

benefício é mostrar aos jovens autores que ninguém nasce sabendo e que a prática é a melhor

amiga do talento. Mas nem esse argumento me comove. Já bastam as besteiras que fazemos em

vida.

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