O Jornal Nacional, dias atrás, apresentou uma reportagem que merecia ser mais
comentada. A história: na Flórida, dois rapazes e uma garota resolveram roubar algumas
placas de PARE instaladas em cruzamentos. Motivo: falta do que fazer. Conseqüência: na
noite seguinte, numa dessas esquinas desfalcadas de sinalização, três rapazes de 18 anos
chocaram seu veículo contra um caminhão. Não sabiam que estavam atravessando uma
preferencial. Tiveram morte instantânea.
O julgamento dos afanadores de placas foi televisionado. Choravam feito bezerros
desmamados. Alegavam que tudo não passou de uma brincadeira de mau gosto. Eram réus
primários, quase crianças, e pediam clemência. Inútil. O juiz decretou 15 anos de prisão para
cada um e disse estar sendo generoso, porque assassinos não costumam pegar menos de 30.
Comovida com o arrependimento dos acusados, a mãe de um dos garotos morto no acidente
pediu ao juiz que não os condenasse por tanto tempo, pois no presídio iriam conviver com
bandidos de verdade e o futuro deles ficaria irreversivelmente comprometido. Nada feito. O
juiz bateu o martelo e os três já estão vendo o sol nascer quadrado.
O juiz foi rígido? Na hora em que eu assistia ao telejornal, vendo o desespero daqueles
jovens e de suas famílias, achei que sim. Mas uma pergunta me veio à cabeça: quem, nos
Estados Unidos, vai agora ousar roubar uma placa de sinalização? Só um demente.
A lição é clara: a irresponsabilidade provoca crimes e a impunidade os multiplica. O
Brasil está cheio desses pequenos transgressores que depredam orelhões e danificam placas
de trânsito, sem pensar que vidas podem estar sendo perdidas por causa disso. Não são
assassinos como Guilherme de Pádua, mas podem estar matando sem saber. Precisam ser
detidos.
Falta de intenção atenua um crime, mas não pode absolver. Qualquer pessoa com mais
de 18 anos deve ter consciência de que dirigir bêbado, soltar foguetes, dar tiros para o alto,
jogar coquetéis molotov dentro de ônibus, tudo isso também provoca tragédias. Estamos
acostumados a chamar de assassinos apenas aquelas pessoas que saem de casa com uma
pistola automática e o endereço da vítima anotado num papel. Já políticos que desviam verbas
destinadas a postos de saúde, esses são gentilmente chamados de corruptos. Ladrões, no
máximo. Assassinos, nunca.
Não somos marginais, mas somos todos homicidas em potencial. Basta uma
inconseqüência, uma distorção de valores ou uma sandice como a dos jovens americanos. É
pena que eles estejam pagando tão caro pelo que fizeram, mas outros três adolescentes
morreram por sua causa, e outros tantos continuariam a morrer se o juiz pensasse como nós: o
acusado poderia ser um filho meu. Poderia. Mas poderia também estar enterrado sete palmos
abaixo da terra por não ter sido avisado de que no meio do caminho havia uma preferencial.
Foi dado o recado: não existe muita diferença entre os assassinos por natureza e os assassinos
por distração.
Junho/97