VESTIDOS PARA MATAR

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Um homem de farda. Era tudo o que as moças, tempos atrás, desejavam para marido.

Um homem uniformizado, galante, condecorado. Pouco importava se pertencia à Marinha,

Exército ou Aeronáutica, desde que usasse quepe e tivesse bastante espaço no peito para as

medalhas. Aliás, nem precisava ser assim tão graduado. Um comandante de avião, um guarda

florestal, um motorista de limusine. Que donzela não teve esse fetiche?

Os garotos também sempre foram fascinados por fardamentos. O traje de escoteiro, o

quimono de judô, o uniforme do futebol. Tudo isso era mais do que uma vestimenta, era a

certeza de pertencer a uma determinada classe de indíviduos, a uma categoria de rapazes com

uma função especial. Era um time, um grupo, uma corporação. Não eram sós.

Uniformes servem para isso, para selecionar grupos e mandar mensagens para a

sociedade. O uniforme escolar, o uniforme do porteiro, o jaleco do médico, até mesmo o terno

e a gravata, tudo isso é uma maneira de dizermos ao mundo a que viemos e impôr respeito.

São grupos que se protegem mutuamente. Pessoas sem rosto, apenas com um ideal, que pode

ser estudar, ou administrar, ou jogar, ou defender. Ou matar.

Pois é, matar foi o ideal dos homens uniformizados da Polícia Militar de São Paulo,

que ao darem um show de truculência em Diadema, conseguiram colocar por terra todo e

qualquer respeito que se venha a ter, daqui por diante, por um traje oficial.

A ditadura militar deu o primeiro passo para desmoralizar o verde-oliva, e desde então

a decadência fashion dos uniformes só aumentou. Ninguém mais quer vestir ideologias, mas

civilidade. Muitos padres aposentam a batina sem com isso abandonar sua fé e sua vocação

religiosa. A maioria das escolas aboliram o uso de uniforme, para alegria da criançada e

desespero das mães. Camisetas de times esportivos deixaram de ser exclusividade de

jogadores e ganharam as ruas, virando moda. Algumas turmas de formandos abriram mão das

togas sem com isso desmerecer seu diploma. Que escritor sonha hoje em vestir o fardão da

Academia Brasileira de Letras e equiparar-se a José Sarney? Até mesmo Fidel Castro tem

sido visto à paisana. Recolham as insígnias, pessoal. Uniforme não é mais símbolo de status

nem garante proteção a ninguém.

Almirantes, comandantes, tenentes, titulares de postos de alto comando, no que essa

turma é diferente dos cidadãos que vestem jeans e camiseta? Por que um sujeito em traje de

gala seria mais digno do que um pintor de paredes vestindo um macacão? Há muito tempo que

não existe mais uniforme de bandido nem de mocinho. Delegados se vestem como bicheiros e

delinqüentes por pouco não são convidados a desfilar numa passarela. Peço perdão aos

homens decentes que patrulham nossas ruas em troca de um salário miserável e nenhuma

segurança, mas a verdade é que seus uniformes não lhes conferem mais respeito nem

enaltecem suas funções. Não é mais credencial. Temos medo igual.

Abril/97

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