GÊNIOS MONOGLOTAS

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Paulo Francis, que não é gênio mas é muito inteligente, acredita que se Millôr

Fernandes escrevesse num idioma que não fosse de periferia (sic), seria um humorista

reconhecido no mundo inteiro. Não tenho dúvida. Basta folhear a bíblia Millôr Definitivo

para sentir que ali há mais do que achados, há genialidade saltando das páginas.

Mas Millôr não é o único que se enquadra no gênero. Cada vez que leio Luis Fernando

Verissimo tenho a mesma impressão. Tivesse ele a oportunidade de publicar suas crônicas e

tiras no The New York Times, no Le Monde ou no Corriere della Sera, seria recebido com

tapete vermelho e fogos de artifício onde quer que pousasse.

Não que Verissimo ou Millôr almejem o reconhecimento internacional. Até onde sei,

estão muito satisfeitos com o respeito e a admiração que conquistaram no seu país, o resto é

abstração. O que eu me pergunto é: tendo o Brasil alguns talentos deste nível para consumo

interno, quantos outros talentos não haverão espalhados pelo mundo, prestigiados em sua terra

natal mas ilustres desconhecidos para o resto da humanidade?

No interior da Hungria, em alguma cidadezinha perto de Budapeste, talvez tenha vivido

um poeta tão encantador quanto Mario Quintana. Um poeta profundamente comprometido com

sua cidade, que evocasse situações mágicas, que vivesse um cotidiano lírico, que declamasse

versos com voz frágil. Em húngaro.

Na Espanha, há de ter uma atriz como Fernanda Montenegro, apaixonada por teatro, que

não seja necessariamente bela, nem loira, nem sexy, mas que atraia todos os olhares da platéia

e deixe suspensa a respiração dos que assistem, hipnotizados, a qualquer uma de suas

interpretações. Em catalão.

Na Bulgária, deve haver um Chico Buarque. Em Pequim, deve haver um Jô Soares. Na

Grécia, deve haver uma Marília Pêra. Mas atravessar fronteiras falando búlgaro, chinês ou

grego é tarefa para Marco Polo, que não sei como se fazia entender.

Os gênios brasileiros conhecidos além-mar nunca foram de muitas palavras. Pelé e

Ayrton Senna, para citar dois ícones, poderiam ser mudos e teriam encantado o planeta do

mesmo jeito. As letras de Vinicius de Moraes, Tom Jobim e João Gilberto não são as

responsáveis por fazer do Brasil referência musical no mundo inteiro, e sim a bossa, o samba,

o balanço do mar que eles tiravam de ouvido. Falando português, não se atravessa o portão de

casa. Só se é internacional em inglês.

Dá trabalho, pergunte para Sônia Braga. É preciso perder o sotaque, aceitar papéis

baratos em Hollywood, mofar em prateleiras de world music. Escritores, poucos, conseguem

abrir caminho com traduções, principalmente se for o caminho de Santiago de Compostela,

mas vá tentar traduzir "eles passarão, eu passarinho".

Pois que cada povo, então, prestigie o que é seu. É uma pena não podermos conhecer os

Millôres e Verissimos que escrevem na Holanda, na Turquia, na Coréia, mas é profundamente

reconfortante saber que temos nossos próprios tesouros nacionais. Periféricos, mas geniais.

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