PAULO FRANCIS POR AÍ

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Qual é o maior desejo do ser humano? Uma mansão em Miami com torneiras de ouro,

responderia um deslumbrado. Saúde, responderiam os ponderados. A imortalidade,

responderiam milhões. Pois é com a imortalidade que deverá ser premiado Paulo Francis, não

porque a tenha desejado, mas porque ele teve a coragem de desafiar aquele que é, sem dúvida,

o verdadeiro e silencioso desejo de absolutamente todos nós: ser amado.

Paulo Francis era elitista, racista, agressivo, petulante, machista, mas era inteligente o

bastante para saber que o medo de ser odiado pode ser mais letal do que um câncer: paralisa

neurônios, anestesia a mente, mata a personalidade. Francis era uma das poucas pessoas que

dizia exatamente o que pensava, o que é um ultraje em tempos politicamente corretos. Um

pouquinho de marketing? Tinha. Mas seu destempero verbal não era fruto de uma estratégia

programada. Ele simplesmente soube, como ator que era, dourar a imagem do polemista nato.

Eu concordava com muitas de suas opiniões e discordava de outras tantas. Não foram

poucas as vezes em que o considerei um grosso, e falta de educação nunca foi prerrogativa de

jornalista nem de ninguém. No entanto, algo me fascinava em seu estilo de dizer as coisas,

independente da violência das acusações ou do sarcasmo de alguns comentários: era o fato de

ele ter conquistado a liberdade de citar filósofos pouco conhecidos, de narrar óperas

inacessíveis e de cair de pau em grande parte da nossa cultura popular sem sentir um pingo de

remorso, sem nenhuma diplomacia, sem acender vela para deus nem para o diabo.

Preocupava-se mais com a ração de seus gatos do que com as reações dos seus leitores.

Há mérito nisso? Quem vive de escrever sabe que há. Pode-se fazer uma afirmação de

mil maneiras: com suavidade, com elegância, com humor, com duplo sentido, com paixão, com

raiva, com desprezo, com respeito, sem respeito. Escolher palavras para se dizer o que pensa

é um trabalho artesanal, meticuloso, de risco calculado. Depois de um certo tempo nesse

ofício, escreve-se mais rápido, o estilo se impõe e tudo flui sem tanta racionalidade, mas

nunca se perde a noção do perigo. Sabe-se muito bem que o leitor médio não é nenhum

bacharel em Letras e que pode considerar ofensiva até uma receita de olho-de-sogra. Vide as

cartas para a redação.

Pois Francis passou por aqui para dar um recado: desrespeito ao leitor é tratá-lo como

analfabeto, como um ser incapaz de raciocinar sobre o que está lendo e tirar suas próprias

conclusões. Desrespeito é um comentarista maquiar suas posições por receio de não ser

aceito. Desrespeito é escrever mastigadinho, é querer agradar gregos e troianos, é se

autocensurar visando o reino dos céus. Nem sermão de padre consegue ser tão chato.

É por isso que todos aqueles que adoravam Paulo Francis e também os que o odiavam

do fundo do coração devem lamentar sua morte. Porque ele era ranzinza, implicante, metido,

mas também era culto, sensível, engraçado. Porque sua insistente manifestação de desdém

pelo mundo nada mais era do que uma idolatria ao bem-viver, ao bom gosto, a tudo de belo

que o ser humano merece e, sem notar, abdica.

Seus inimigos não haverão de estar aliviados. Ruim com ele, pior sem ele.

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