NOSSOS COMERCIAIS, POR FAVOR

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Há muito tempo que a propaganda deixou de ser assunto exclusivo de publicitários e


passou a ser discutida por qualquer espectador. Toda pessoa razoavelmente bem informada já


ouviu falar em Washington Olivetto e Nizan Guanaes, sabe o nome de duas ou três agências


importantes e canta de cor a letra do seu jingle favorito. A propaganda está na boca do povo,


principalmente depois que o fotógrafo italiano Oliviero Toscani, responsável pela campanha


mundial da Benetton, andou soltando o verbo no programa Roda Viva.


Não foi uma entrevista, foi uma luta de boxe. À esquerda do ringue estava Toscani, o


antipublicitário: malvestido, malbarbeado e martelando o velho discurso de que a propaganda,


como aliada do sistema, não produz consciência social e se alimenta da desigualdade.


À direita do ringue, os publicitários de carteirinha, com destaque para Francesc Petit,


um dos donos da DPZ: todos muito fashion, defendendo com unhas e dentes o direito de


vender sonhos e estimular necessidades supérfluas.


Ao meu ver, deu empate. Ninguém estava totalmente certo ou totalmente errado, e


apesar de todos os golpes desferidos, a discussão continua de pé. Toscani não é o gênio que


propagam alguns, nem é ingênuo, como acusam outros. É um homem inteligente que obteve


notoriedade por conceber uma campanha publicitária que fugiu um pouco dos moldes


tradicionais. Segundo ele, a marca Benetton associou-se a temas como racismo, sexo, Aids,


guerras e minorias, tudo com a singela intenção de fazer o ser humano olhar-se diante do


espelho e não fugir da realidade que o cerca.


Tocante, mas não é bem assim. A Benetton quer vender tanto quanto Calvin Klein, Gap e


Banana Republic, só para citar alguns dos seus concorrentes internacionais. Para isso, Toscani


recebeu um briefing que é sopa no mel: reforçar a imagem da Benetton com a veiculação de


uma mesma campanha nos quatro cantos do mundo. Foi lançado o slogan United Colors of


Benetton, como poderia ter sido We are the World. Com uma mídia desta proporção, Toscani


foi hábil em buscar temas de interesse universal, que mobilizassem tanto os Estados Unidos


quanto o Japão, tanto a Europa quanto o Brasil.


É um oportunista? Claro que não. É um cara que descobriu um filão e fez um trabalho


profissional, sem nenhum caráter benemérito. Amanhã pode lhe cair nas mãos um pedido para


uma campanha de sabão em pó, cujo alvo são as donas-de-casa da Sicília. Aí vamos ver se a


foto de um carro explodindo na frente de um colégio e manchando de sangue o uniforme de


uma estudante será assim tão festejado.


É precipitado julgar um publicitário por uma única campanha. Toscani tem razão em


dizer que a propaganda tem abusado de velhas fórmulas e está viciada em reproduzir-se a si


mesma, e nos apresenta uma boa alternativa com sua campanha. Mas não tem autoridade para


julgar todo o trabalho feito até agora por profissionais competentes que nunca tiveram a


pretensão de ser artistas e mudar o mundo. Todo publicitário consciente sabe que a arte é um


instrumento a serviço da propaganda, não o seu fim. Woody Allen e Fellini nunca foram


indicados para o Oscar pelos comerciais de televisão que dirigiram, nem Fernando Pessoa se


consagrou pelas pérolas que redigiu quando era publicitário. Propaganda é outra coisa. É


informação direcionada ao consumo, embalada para presente e com um código de defesa do consumidor para fiscalizá-la.


Há, como em toda profissão, gente honesta e desonesta. Um publicitário pode, com a


conivência do cliente que representa, dizer que é possível uma pessoa perder 15 quilos em


dois dias tomando um determinado chá. Assim como um ginecologista pode fazer nove


cesarianas a cada 10 partos, um psicanalista recomendar cinco sessões semanais para uma


paciente que brigou com o namorado ou um advogado livrar da cadeia um homicida. Qual


destes profissionais está vendendo mais ilusões? Chega de colocar a propaganda no banco dos


réus.

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