Nada instiga tanto o ser humano quanto as três perguntas fundamentais: quem somos, de
onde viemos e para onde vamos. A proximidade do ano 2000, o revival de Nostradamus, a
novela O Fim do Mundo e até mesmo as previsões estapafúrdias de Mãe Dinah, tudo colabora
para nos deixar menos céticos em relação ao futuro. Será que é possível saber com
antecedência o que nos reserva o destino? Será que vivemos outras vidas antes desta? Não
olhem para mim. Tenho tanta afinidade com Shirley McLaine quanto irmã Dulce com Sharon
Stone.
Muita gente inteligente dedica anos e anos da sua preciosa vida tentando desvendar este
mistério. Lêem livros (quando não os escrevem), estudam teses, convertem-se ao espiritismo,
participam de grupos fechados, tudo na tentativa de comunicar-se com quem já passou desta
para melhor e com isso obter um pouco de sossego, aceitando com mais resignação a própria
morte. Essas pessoas devem pensar que, se há outras vidas, se seguirão vivendo em outra
dimensão, se a morte não é absoluta, então nada há para se temer.
Já o meu raciocínio (simplista, admito) é: se não há como ter certeza se existe mesmo
reencarnação, então por que perder tempo com esse assunto? Se esta não for a única vida que
tenho para usufruir, se houverem outras depois, do que adianta saber, se não lembrarei de nada
mesmo? Digamos que eu tenha sido uma andarilha: onde estão as fotos? Se eu fui um engolidor
de fogo, é por isso que não gosto de cigarro? E se fui milionária, me digam, em que maldito
banco fui deixar minha conta lá, parada? Posso ter sido uma deusa egípcia, um inseto
gosmento, uma escrava, uma índia, uma atriz pornô, um bispo, um ladrão de galinhas, a única
herdeira de um industrial francês. Onde foi parar toda essa experiência, toda essa história,
tamanha emoção? Isso pode explicar aquela sensação de já termos vivido uma determinada
cena, o famoso dejá-vu, mas, convenhamos, é muito pouco para quem viveu tanto.
E vidas futuras? Também não quero. Não vou poder levar minhas filhas, meus livros,
meu passaporte, vou? Está certo que eu podia ter a sorte de, na próxima vez, reencarnar lá no
norte. No Piauí, não. Mais ao norte, em Nova York, com o corpo da Cindy Crawford, a conta
corrente da Cindy Crawford e o ex-marido dela como vizinho de porta. Mas quem garante que,
em vez disto, eu não seja contemplada com uma casinha de lona na Etiópia e um cérebro de
mosquito?
Acredito nessas pessoas que "saem" do próprio corpo e conseguem se enxergar
estendidas numa cama de hospital, por exemplo. Pode ter sido um sonho, uma alucinação, um
fenômeno extra-sensorial, mas, seja o que for, acredito. Também acredito em mapa astral, em
disco voador e em alguma coisa parecida com Deus, desde que sem barba, bigode e cajado. Já
a imortalidade da alma não está ao nosso alcance. Se existe, ninguém sabe, ninguém viu. Por
via das dúvidas, continuo a usar cinto de segurança e olho para os dois lados antes de
atravessar. Acredito piamente é na vida antes da morte, essa que me permite lembrar o que
almocei ontem, quem são meus amigos e que possui registros inquestionáveis, como a certidão
de nascimento, a carteira de identidade e foto 3x4 atualizada. A eternidade não me consola
nem me tenta. A mim basta um banho quente, um pijama limpo e dormir acreditando que
amanhã tem mais.