Dizem que o mundo se divide entre aqueles que mandam e aqueles que obedecem. Logo
imaginamos patrões e empregados, adultos e crianças, professores e alunos, em que a
hierarquia dita as regras. Mas no dia-a-dia de um casal, quem detém o comando? Errou quem
respondeu o homem, por ser o chefe da casa. Ou a mulher, por ser a administradora do lar.
Essa é uma questão que não se segmenta por sexo nem situação financeira. Manda o ansioso.
Obedece o desligado. E salve-se quem puder.
Dificilmente um casal é formado por dois maníacos, ou dois tranqüilões. Todos sabem:
os opostos se atraem e, não contentes, sobem o altar, assinando um contrato para viver o resto
da vida às turras. Se souberem se divertir com isso, o casamento está salvo.
O tranqüilo, ou a tranqüila, sempre esquece de fechar a janela antes de deitar. Chega
com 10 minutos de atraso na festa do colégio do filho. Fica sem gasolina no meio da rua. Bate
a porta da casa com a chave dentro. Deixa a geladeira aberta. O mundo vai acabar por causa
disso? Depende com quem se dorme à noite.
Se o cônjuge fizer o estilo sargento, danou-se. O sargento da casa é o retrato da
perfeição. Faz a revista completa dos aposentos antes de dormir: janelas, torneiras, gás, tudo
tem que estar hermeticamente fechado, e ele ainda levanta de madrugada para conferir, porque
não confia nem em si mesmo. Pontualidade? Nenhuma: chega sempre dez minutos antes.
Jamais deixa o combustível do tanque encostar na reserva. Aliás, com meio tanque ele não
arrisca ir do centro até Vila Assunção. O sargento sempre sabe onde está a tesourinha de
unhas. O sargento lembra o nome do prédio em que morou 27 anos atrás. O sargento não
perdoa roupa jogada no chão.
Até aí, contemporiza-se. As pequenas divergências só ganham ares de drama quando
atingem o lado frágil do casal: o bolso.
O tranqüilo sempre esquece de devolver a fita de vídeo. Paga as contas com dias de
atraso: prefere multa do que fila no banco. O tranqüilo desconhece canhoto de cheque, nem
desconfia para que serve. Sabe aquelas filas que se formavam nos postos de gasolina quando
o governo anunciava aumento de preço? O tranqüilo ficava bobo: essa gente não tem mais o
que fazer? Pergunta para o tranqüilo quando é o vencimento do seu cartão de crédito.
Pergunta.
A mulher do tranqüilo, ou o marido da tranqüila, descabela-se. Toda a economia vai
por água abaixo: de nada adiantou fazer pesquisa em três supermercados, contar os centavos,
pagar as contas uma semana antes do prazo, comprar quatro caixas de morango por cinco
reais. Um economiza, o outro desperdiça. Um lembra do aniversário do Ayrton Senna, o outro
não sabe o aniversário da própria mãe. Um planeja a viagem com seis meses de antecedência,
o outro esquece de renovar o passaporte. Um faz, o outro desfaz.
Advogados, fiquem fora disso. Os opostos se atraem, lembram? O ansioso manda, o
viajandão obedece, e à noite, embaixo dos lençóis, é um chamego só. Que casamento não tem
esse tempero? O ansioso jura que se o viajandão fosse mais ligado, ele relaxava. O viajandão
jura que se o ansioso não controlasse tudo, ele tomava as rédeas. Um não acredita no outro, e
ambos dormem em paz.
Junho/97