Capítulo 5

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Dias atuais...

De repente sinto uma imensa necessidade de ir embora. Eu estou desconfortável e detesto isso. Quem é esse cara? O olhar dele é bem intenso, porém, aparentemente, sem julgamentos. Que estranho...
Ele não dançou com ninguém esse tempo todo.

Nossa! Deve ser o sono, Julie. Vá para casa!

- Will, vou para casa. Já acertei tudo com Marco.

- Vai lá, Julie!

Eu não quero parecer uma donzela encurralada, não tem nada demais acontecendo aqui. Acho. Deve ser só essa porra de ansiedade descontrolada que faz tudo parecer exagerado. Mesmo levando essa bosta de vida que eu levo, eu olho sim para homens bonitos na rua, em lugares públicos, privados. Não fiquei cega, né? Mas olhar não significa chegar perto, tocar. Eu meio que peguei certo nojo de proximidade. Nem sei como eu ainda consigo ser puta. Eu sei que o cara de calça preta está a metros de distância, mas ele me olha como se eu fosse transparente. Onde já se viu? O pior e mais estranho nisso, é essa sensação ridícula que eu há muito tempo não sentia, e agora está aqui de novo só porque o cara me olhou. Repito, ele olhou como se pudesse me ver por dentro, e isso me deixou nervosa.

É o tipo de coisa que a gente vê em livros ou filmes românticos.
É aquele momento em que você olha uma pessoa e é como se passasse uma enorme corrente elétrica por todo seu corpo. Suas mãos suam e seu coração acelera. Não vou mentir, eu já senti isso antes, com uma única pessoa. Mas nem por brincadeira foi tão intenso quando está sendo hoje. E no meu caso, não teve o "felizes para sempre" como nos livros. Nem de longe, com toda certeza! E sei muito bem como isso acaba:

Na merda!

Então, por que eu iria gostar de sentir isso de novo depois de sete anos totalmente livre dessa sensação, sabendo que no final sempre dá merda?

É ridículo!

Faz tempo que ninguém me olha assim. Ele tem um olhar profundo, muito profundo, como se quisesse saber (ou sabe) todos os meus segredos.

Eu sei... Eu sei... Estou parecendo uma bêbada repetitiva. Ok. Eu não posso encará-lo mais, ele vai pensar que é uma brecha para se aproximar. Também não posso pensar demais, nem pensar porque estou pensando demais nisso. Credo!

Eu olho pra longe, e então para meu celular. Meu polegar direito treme descontroladamente. Isso não é um bom sinal. Desbloqueio, finjo mexer nele, depois bloqueio de novo. Celular não se usa apenas para ligar, usamos também como escudo para evitar gente chata. No caso de hoje, escudo para evitar gente com calça preta justa e olhos penetrantes. Ponto.

Guardo-o na bolsa e sigo para saída. Ando até a porta sem olhar para ele de novo, mas sinto seu olhar sobre mim. Sinto seu olhar me tocar e meu interior se esquenta. Ao cruzar as portas de vidro, uma lufada de ar frio da madrugada toma meu rosto e suspiro com alívio. Respiro ainda mais fundo, tentando esfriar novamente meu interior. Não surte efeito. Continuo agitada.

Dedos contraídos, dedos relaxados. Meu polegar verifica pela milésima vez, como de costume, se meu anel no dedo indicador continua em seu lugar. Dedos contraídos, dedos relaxados... Contraídos, relaxados.

Dou Graças a Deus ao ver meu taxista de sempre estacionar em minha frente. Bendita sincronia!

- Ei, Julie! Vai agora?

- Vou. Hoje tô sem saco pra nada.

- Quer dar uma volta?

Pedro. Esse é seu nome.

Ele é legal, apesar de ter um olhar estranho que não sei identificar o que é (mentira! é olhar de quem quer me comer). Pedro quer puxar conversa. Aff! Eu detesto conversar. Ninguém nunca me entende, então para que perder tempo?

- Hoje não, Pedro. Só quero ir pra casa dormir.

Nem hoje nem nunca, penso.

Ele abre a porta para mim e eu me jogo no banco traseiro, puxo a porta para fechá-la e então vejo: O cara da calça preta.

E aqui está o teimoso incurável coração, acelerando novamente.

Puta Que Pariu!
Que merda é essa?
É só um cara!

E para minha surpresa, ele fica na porta da saída, parado, olhando para cá. Ele não parece ter intenção de vim até aqui no carro, só fica lá... Olhando diretamente para mim.

O que é isso? Ele é doente?

Eu falho em permanecer com o olhar fixo nele. É meio... Desconcertante, estonteante, hipnotizante... Eu volto minha atenção para minhas unhas.

Pelo amor de Deus, quem é esse ser?

Minha introspeção atinge um nível profundo. Não olhei para trás nenhuma vez. Nem se quer notei Pedro entrar e dar saída no carro. Passei todo caminho olhando pela janela pensativa sobre o tsunami que a minha vida é.

O que porra tem as janelas?

Elas te deixam nostálgicas, depressivas, na fossa, como naqueles clipes clichês da Youtube. Aqui eu suspirei pesarosamente. Não me lembro de ter mexido nenhum músculo do corpo além dos meus dedos inquietos e minhas pálpebras pesadas.

Ao chegar em casa, pago a corrida e vou saindo do carro, quando então ele rompe o silêncio:

- Julie, vamos marcar pra sair qualquer dia desses... Tomar uma gelada, comer qualquer coisa...

Eu revirei os olhos, e então virei de frente para ele e sorri de modo irônico, sem deixar transparecer minha repulsa.

Nunca se sabe, né?

Foi suficiente. Pedro sorriu abertamente, em seguida se foi... Deixando-me com quebra-cabeças mentais sobre silêncio, anéis, olhares profundos, sincronia, acaso, sorte, azar, calça jeans preta e justa... e botas.

Quem Eu Deveria Ser? (Não Revisada)Onde histórias criam vida. Descubra agora