Capítulo 14

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Dias atuais...

Sabe, quando você é extremamente fodida, chega um ponto da sua vida em que você só acredita que coisas boas irão acontecer, quando de fato, elas acontecem com você.

As pessoas passam a te chamar de fraca, burra, pessimista, porque nem todas sabem que não é fácil manter a esperança viva. Eu sei que não será sempre assim, porque existem pessoas que dependem de mim, do meu apoio, da minha responsabilidade e eu pretendo me esforçar para mudar essa porra toda. Mesmo que por dentro, acredite que nada disso seja possível.

Hoje foi um pouco diferente do habitual. O dia amanheceu e algo dentro de mim adormecido há muito tempo despertou: A Fé.
Eu não sei o que vai acontecer, mas acordei com uma pequena fé depois de tanto tempo.
É aquela sensação de que uma linha está sendo cruzada e toda merda vai ficar para trás. É até estranho sentir isso assim, do nada. Talvez Ben tenha participação nessa súbita melhora do meu humor.

Ele me surpreendeu na noite passada.

Eu imaginei diversas cenas de como seria o término da noite e nenhuma delas nem chegou perto do que exatamente aconteceu.

Eu chorei muito e nem sei porquê.

Ele me ligou depois que chegou em casa. Falou que o dinheiro era um presente e não queria de volta de jeito nenhum, e também disse que queria me ver hoje de novo.

Não sei, talvez eu aceite. Talvez.

É tão ruim quando você tem sua mente em conflito, não é? Sim. E muito, muito exaustivo também.

Enfim... Hoje vai ser um longo dia...

"Biometria"

Para que o governo inventa essas coisas? Eles acham que as pessoas são desocupadas? Que não temos nada para fazer?
O posto de atendimento deve estar lotado, já tô até vendo a fila quilométrica que vou ter que enfrentar. Mais tarde vou estar um caco.

Acabo de chegar ao primeiro destino do dia e realmente estava certa: A fila no posto de atendimento está enorme, no mínimo vou sair daqui depois da hora do almoço. Pego a ficha número 38 e procuro logo um lugar para sentar porque o negócio vai ser demorado.

É engraçado essas coisas de "fila" em locais.

Por mais que você seja chata e antissocial, você sempre acaba conversando com as outras pessoas ao seu lado. E o mais engraçado é que, parece que vocês já se conhecem há anos.

- Eu vim fazer meu recadastramento ontem e não consegui.

- Essa é a segunda vez que venho, e se hoje eu não conseguir, juro que deixo essa merda pra lá.

Eu disse para mulher ao meu lado.

- Meu Deus!

A mulher grita parecendo que viu um fantasma.

Eu olho para ela.

- Meus documentos originais ficaram em casa. Só coloquei a Xerox na bolsa.

- Fala ali com a atendente e explica a situação.

- Ela não vai aceitar, ontem aconteceu isso e mandaram a coitada da senhora pra casa. Vou ter ir buscar!

Que louca!

- Se você for eu posso guardar seu lugar aqui. Sua casa é muito longe?

- Ah que gentileza sua, vou ligar para meu marido. Eu moro perto do Parque Central, será que dá tempo eu ir e voltar?

O QUÊ? Espera... Parque Central? Não. Não pode ser...

- Você disse Parque Central?

Pergunto para ter certeza que não ouvi errado.

- Sim! Você sabe onde fica? Não é tão longe...

Lógico que eu sei.
É onde o traste do meu pai mora. O bairro de Alberto.

Surge em mim uma vontade incontrolável de perguntar...

- Sei. Por acaso você conhece algum cara chamado Alberto?

A mulher pára subitamente. Seu olhar sobre mim muda, como se me reconhecesse de algum lugar.

- Claro que sim! Não é um alto que sempre andou de nariz empinado? E bonito? Sim, muito bonito. Eu o conhecia de vista, sabe? Porque ele era muito orgulhoso e quase não cumprimentava ninguém, nem com um simples ''bom dia''. Ele era conhecido como "Betinho", e passou anos trabalhando numa empresa multinacional até que foi demitido anos atrás e então se divorciou e passou a morar sozinho no casarão dele.

"Betinho"? Sério mesmo?

Ridículo!

Levo alguns segundos para assimilar tudo o que a mulher disse. A porra do mundo realmente é muito pequeno, cara! E então algo se esclarece...
Ela se referiu a ele no passado? Por quê?

A mulher olha diretamente para mim e eu não estou gostando nadinha disso.

- Esse mesmo!

- Você o conhecia?

Porra! O que eu falo?

- Eu não, mas minha mãe sim. Minto.

- Meu Deus! Ela não soube?

- O quê?

- Hum... Ele morreu... Faz uns seis meses...

Todo o caralho ao meu redor fica em uma silenciosa e diabólica câmera lenta...

Quem Eu Deveria Ser? (Não Revisada)Onde histórias criam vida. Descubra agora