19 anos atrás...
Para: Alberto
Alberto, como vai?
Eu e Julie vamos muito bem. Graças a Deus temos uma vida confortável, apesar dos pesares. Ainda assim, existe uma coisa que anda incomodando-a: ela quer conhecê-lo. Essa carta tem o único intuito de promover uma tentativa de apresentar à sua filha quem é seu pai. Espero que deixe seu orgulho de lado e considere esse pedido. Ela não teve culpa de nada, e merece isso. Por favor, responda.
Helena.
***
- Onde ele tá mãe?
- Ele vai estar aqui logo, Julie. Ele é sério, mas não precisa ficar com vergonha.
Julie e sua mãe esperavam ansiosamente no local marcado para o encontro. Julie nunca viu o pai antes. A única figura paterna que conhecia era seu avô, a quem ela amava muito. Tinha o desnaturado do seu padrasto, mas ele não contava.
Ela estava nervosa, mexendo o tempo todo nas mãos, que suavam mais que o normal, até enfim chegar ao seu campo de visão a moto.
A moto que estava sendo conduzida por um homem desconhecido. Física e emocionalmente desconhecido.
Helena olha-a com uma expectativa desnecessária.
Ela era uma criança.
Apenas cinco anos. Alguns diriam que é cedo demais para confirmar algo sobre a personalidade dela. Mas Julie era diferente. Bastava uma atenção minuciosa para constatar que realmente era filha desse rapaz da moto, pois era introvertida e extremamente orgulhosa para sua idade.Julie não olhou para ele enquanto ele estacionou e vagarosamente, ou pesar demasiado, desceu da moto. Julie olhava apenas para os pés grandes que se aproximavam mais e mais, até que pararam em sua frente. Só então, Julie levantou a cabeça com um olhar desdenhoso, e lá estava ele:
O total estranho.
Ela pensou que havia algo de errado com sua cabecinha, com seu coração, porque ela não sentiu vontade de abraçá-lo ou lhe dirigir qualquer palavra.
Ela pensou que talvez fosse diferente das outras crianças, as crianças que eram carinhosas com seus pais. Naquele exato momento, Julie estava totalmente desprovida de emoção, e sabia que não deveria ser assim, mas nada podia nem queria fazer.
O que ela não sabia, é que isso foi o mero resultado de toda uma pequena vida longe de gestos carinhosos, protetores, atenciosos, e até mesmo simples telefonemas desse estranho que se encontrava na sua frente.
- Tudo bom?
Julie sorriu forçadamente com a boca fechada e afirmou com a cabeça. Julie estava quieta. Muito mais quieta que o normal.
- Olá, Alberto! Quanto tempo?! Esse encontro deveria ter acontecido muito antes.
Ele não esboçou nenhuma reação. Só ficou ali parado, tomando o cuidado de sempre desviar à vista dos olhos de Julie.
- Ando ocupado.
Helena puxava diversos assuntos aleatórios e ele continuava frio e distante. Julie também. Ela nunca olhava mais do que 2 segundos para ele. Ela olhava os ônibus que passavam, as folhas que balançavam ao vento, os sacos de pipoca e cigarros jogados no canto do acostamento.
Sem dúvidas, Julie realmente era filha de quem é.- Ela é muito quieta e calada. Podemos dizer que é sua Xerox.
- É.
Julie queria muito ir embora dali. Então se aproximou da sua mãe e sussurrou no seu ouvido:
- 'Vamo', mãe. Quero fazer xixi.
Helena riu. Alberto não. Ele permaneceu fisicamente perto, mas emocionalmente longe. Nada de anormal vindo dele. Era ridículo esperar algo diferente disso.
- Está bem, Julie. Nós vamos para casa. Quer dar um abraço no seu pai?
Julie hesitou descaradamente e olhou profundamente para a mãe. O olhar que diz exatamente: ''Não!'' mas Helena ignorou.
- Só um abraço Julie.
- É cedo. Tudo tem seu tempo.
Disse a voz do figurante da peça de circo, representando o papel de pai. Helena a induziu pelo braço até ele e relutantemente ela o abraçou prendendo a respiração.
Foi um abraço vazio. Automático. Nem pareciam pai e filha, e sim, dois robôs. Eles se afastaram rápido, muito rápido. Por fim, ele virou as costas, e sem se despedir e olhar para trás, montou em sua moto e se foi.
- E aí, Julie? O que achou do seu pai?
- Não gostei, Mãe! Eu não queria abraçar ele! Ele é chato. Eu não queria abraçar ele... Não quero ver ele nunca mais!
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Quem Eu Deveria Ser? (Não Revisada)
Roman d'amourQuem quiser esse livro completo em PDF, me chame aqui por mensagem. 🌷 Julie Lótus tem 24 anos e uma bagagem de vida bastante carregada. Já enfrentou muitas dificuldades, traumas no passado e inúmeras decepções. Desempregada, ela vê sua vida de cab...