Capítulo 20 - Julie

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Assistam o vídeo com tradução da música desse capítulo!
Madness - Muse

Dias atuais...

Hoje foi um dia corrido.
Tem sido sempre assim ultimamente.

Eu não tinha idéia do tamanho da burocracia de merda que envolve quem morre. Eu gasto horrores com xerox, reconhecimento de firma, autenticações e blá blá blá.
Sem falar no seu deslocamento, que às vezes em um único dia você tem que ir em vários orgãos/lugares diferentes e geralmente a distância entre eles é como Brasil/Japão.

É cansativo pra caralho!

"Todo esforço amargo do presente, vai valer à pena quando você sentir o gosto doce da vitória no futuro."

Minha Mãe tem me dito isso sempre, e eu acho que no fundo é verdade. Percorri um bocado e já estou quase chegando na fase final (nível 1, quando chegarei no chefão?...).

Apesar de todo processo ser exaustivo, ele tem me mantido distraída de mim mesma. Achar um "Processo" divertido significa que você não tem porra nenhuma de noção do que é diversão, né?

Realmente não tenho nenhuma noção de diversão.

Tirando as horas que tanto amo brincando com Gabriel, eu, ele e minha mãe comendo juntos ( antes que vocês perguntem, Marie, minha irmã, 18 anos, casou e mudou-se muito feliz para outro estado), sorrindo... gargalhando juntos, assistindo juntos e também nas horas quando falo com Ben por telefone. Fora isso, nada mais é divertido.

Por boa parte da minha vida eu frenquentei muitas festas com exageradas quantidades de bebidas, sexo e drogas, mas essa bosta não era diversão, era uma fuga, um meio de anestesiar a "merda". E põe merda nisso.

Enfim... Toda essa coisa tem tido o papel de me ocupar, me fazendo desviar da minha própria mente paranoica que nunca desliga, e, surpreendentemente, senhoras e senhores, me fez sentir uma coisa que eu nunca senti antes: A sensação de ser útil.

ÚTIL.

E porra, eu confesso: É maravilhosamente bom sentir isso. Principalmente, quando você por toda sua vida não sentiu-se assim antes.

É bom pra caralho!

A morte tem seu lado bom afinal.
Ok. Devo ter passado uma má impressão agora, em? Mas é verdade. A morte do meu pai me fez mais bem do que todos os anos dele em vida.

Fala sério?! Tô errada? Não.

Se ele ainda tivesse vivo eu continuaria na merda, e ele não estaria nem aí e tampouco faria nada para me ajudar a mudar a porra da situação, como era obrigação dele de pai. Pai de merda! Então, se por toda sua vida ele não sentiu culpa por eu ter uma vida estupidamente fodida, porquê eu sentiria culpa de tirar proveito da sua morte?

Pois é...

Sobretudo, eu não o odeio, pelo contrário, é tudo sobre apatia. Para mim, ele sempre foi um desconhecido e sempre será (até porque mesmo eu querendo conhecê-lo agora seria meio difícil, né?... tá, não teve graça. Ignorem).

Também tenho me ocupado bastante pesquisando secretamente sobre faculdades e já tenho duas preferidas. Mas decidi só começar a cursar no começo do ano que vem, até lá já vou ter resolvido toda coisa e "acho" que estarei com a mente mais centrada e relaxada. (O 'acho' quer dizer que no fundo eu sinto como se isso nunca vai acontecer).

Ontem passei duas horas com Ben no telefone, e posso dizer que já me sinto confortável com isso. Ele já sabe quase tudo do meu passado. Quase tudo não, ele realmente sabe tudo. É estranho que isso tenha acontecido por telefone, mas de alguma forma, parecia menos constrangedor para mim. Seria mais difícil contar olhando direto naqueles olhos verdes lindos e profundos. Fui falando... e falando... quando percebi, já tinha dito. Fiquei aliviada, confesso. Nunca tive ninguém para falar sobre isso. Ninguém que escutasse até o fim e não me julgasse, não me repreendesse, me fizesse sentir culpada e com vergonha. Ben é incrível. Ele não deixou que a conversa caísse num ar pesado e sombrio. E de novo, quando vi já tinha passado o mal momento.

Eu já me sentia mais leve e bastante confortável, e com... muito tesão também. A ligação de ontem foi bem longa. Eu prestava atenção a cada pausa, a cada suspiro fundo, a cada riso, a manha da voz. Ele tem a voz arrastada, voz do tipo "pós-foda".

Puta que pariu! A voz do cara...

É rouca e grave ao mesmo tempo. Sexy. Em 99,9% do tempo da conversa, eu imaginei como seria essa voz no meu ouvido enquanto ele estivesse em cima de mim em seu magnífico 1,82m todo quente, ou como soaria essa voz enquanto seu rosto estivesse abaixo da minha barriga. Bem abaixo... eu suei! Me peguei mordendo os lábios, e mexendo nervosamente meu anel. Eu sou de carne. Não aguento!

Ele me fez cuidadosamente várias perguntas, que me fez achar tudo parecido com uma "consulta" e senti como se ele fosse meu terapeuta pessoal, fazendo a conversa fluir naturalmente. Ele tem me ajudado bastante nesses últimos meses e tenho tido progressos nesse pouco tempo que nunca tive em toda vida.

Só tem uma coisa: ele não pode achar que toda a merda vai sumir e eu vou mudar imediatamente, ele está enganado se pensar dessa forma.
Mas ele sabe. Eu sei que ele sabe disso.

Ben é sensível. Ben sente.

(Suspiros...)

Como Doutor e Amigo ou seja lá o que for, ele sabe. Sabe de mim mais do que eu mesma se brincar. Ele sabe tanto, que me disse:

"- Julie, minha flor! Não se preocupe com prazos, porque cada pessoa é única. Não existe tempo determinado para superação. Você nunca vai esquecer, mas vai chegar um dia que vai lembrar e não vai mais sentir dor. É isso que quero que acredite e de maneira nenhuma desista de nada. E mais...
Pode passar 70 anos, Julie, eu não vou desistir de te ajudar a se curar, e nem muito menos desistir de você. Pode escrever isso..."

Ele tem uma paciência sem limites. Tem como não se apaixonar?

Não...
Tem...
Não...
T... Não!

Ben até me recomendou um psiquiatra amigo dele para que eu possa visitá-lo enquanto ele estiver fora. Incrível, né? Para mim é. Eu não conhecia a gentileza masculina, e isso o faz ser especial para mim (mesmo que eu não admita pra ele).

Até tomei a liberdade de dizer a ele que se ele não fosse frouxo e tivesse se esforçado para me conhecer naquele tempo, o agora poderia ser diferente.

Mas fazer o quê?

A vida é uma porra estraga prazeres mesmo, o destino então, um pau no cú. Essa é a verdade!

Não é que eu mudei da noite para o dia, sabe? Não. Não mudei. A Julie fodida ainda está aqui. É  só que... quando você passa a viver de uma forma mais tranquila e saudável, a merda toda pesa menos, você meio que vê uma luz no fim do túnel, consegue ter esperança. Não sei bem explicar, mas sei que é bom.

É triste você ter esperança na vida pela primeira vez aos 24 anos? É.

Mas já é um bom começo, não?
Acho que sim.

Eu ainda não sou normal (e acho que nunca vou ser), ainda crio muitas paranóias na cabeça. Uma delas, talvez a mais forte, é aquela merda de sensação que me dá do nada: De que nunca vou conseguir finalizar nada na vida. Sempre começo fazer uma coisa e nunca consigo terminar porra nenhuma. Me dá um pânico.
Deve até ter nome pra essa porra, tipo: fobia sei lá o quê.

Isso é horrível, cara!

Porém, olhando daqui de onde estou lá para trás, já foi um bom caminho andado, e Ben tem participado muito disso. E tenho que admitir: Ele é um cara do caralho!

Ele chega hoje na cidade e nós vamos jantar juntos... como amigos...

O que não me impede de fantasiar com ele. E pela cara que ele me olha, puta merda, aqueles olhos... ele deve fantasiar também...

Às vezes até desejo que essas fantasias virem realidade.

Outras vezes, Não.

Quem Eu Deveria Ser? (Não Revisada)Onde histórias criam vida. Descubra agora