Gabriel
Aquele pi..pi..pi ininterrupto estava começando a se tornar insuportável. Abri os olhos,cauteloso! Tentando focalizar o ambiente, mas uma enorme luz branca cegou-me temporariamente, fechei os olhos rápido e voltei a abri-los,tentei virar o rosto para a esquerda,mas não consegui, já para a direita foi mais fácil e pude ver um monitor cardíaco ligado por um acesso ao meu braço.
Senti uma dor latente na cabeça e tentei erguer-me,mas uma sensação estranha de completa inércia me tomou.
Eu não sentia todo o meu corpo.
-So...corro!-gritei e isso exigiu-me uma enorme força e as palavras saíram desconexas.
"O que estava acontecendo comigo?"
-Gabriel...-aquela voz...aquela maldita voz...por que justo ela?-Você acordou?
-Norma!- o seu nome saiu da minha boca num grunhido incoerente e desconexo- O...que...houve?-eu não conseguia formular uma frase completa,parecia que um lado do meu rosto estava totalmente adormecido.
-Eu vou chamar o doutor pra avisar que você acordou.
Vi quando ela tocou a minhas pernas não senti o toque,e então ela saiu.
Voltou alguns instantes depois acompanhada de um homem. Eu sentia seus passos,mas não podia vê-los até eles se posicionarem do lado da cama.
O médico era um homem grisalho que me lembrava um pouco o doutor Osmar.
Ele me fez algumas perguntas,que respondi com grande dificuldade,e quando terminei de falar ,sentia uma enorme exaustão como se cada palavra pronunciada exigisse um esforço descomunal.
Eu me sentia ofegante ao termino daquela entrevista.
Ele me disse que faria testes comigo,para saber como estava a minha sensibilidade.
Com uma caneta ele faria riscos em meus braços,mãos,pernas e pés e eu deveria sinalizar que tinha sentido.
Aguardei por longos minutos que ele começasse os testes e me senti desesperado quando ele afirmou que havia terminado e eu não senti absolutamente nada!
E o pior de tudo é que eu nem podia exteriorizar aquele desespero.
Meu corpo não me obedecia mais!
Não me pertencia mais!
Era como uma maquina que se quebram as engrenagens e por mais que se tente não volta a funcionar.
Senti uma lágrima quente escorrer pelo meu rosto.
O que eu fiz pra merecer aquilo?-Nor...ma?- emiti um novo grunhido e senti os passos dela aproximando-se.
-Você sente o meu toque?-ela perguntou,levando a minha mão a altura do meu peito.
Eu não senti o maldito médico fazendo experiencias em mim com uma merda de esferográfica. Por que sentiria o toque dela. Ela era uma espécie de elixir da cura? Seu toque por acaso me traria de volta?
-Nã...o!
-Você se lembra de como veio parar aqui.
-Nã...o!
-Foi horrível! Você teve um princípio de enfarto,você estava dirigindo e sofreu um acidente. Teve fraturas em três vértebras da coluna.
Eu a olhava querendo mais respostas.
-Você vai ter sequelas por conta do infarto e da fratura. Eu tenho que ser honesta com você. Talvez,você não recupere os movimentos.
-Por...que você és...tá a...qui ?
-O que você esperava que eu fizesse,Gabriel? Eu tentei falar com seus pais,mas parece que eles estão na Austrália ou Itália, sei lá! Eu não podia simplesmente virar as costas e deixá-lo aqui sozinho. O médico também diagnosticou que haviam altos índices de substâncias ansioliticas no seu organismo? O que deu em você? Você acreditou que estivesse tendo um ataque de pânico,foi isso? Por quê você não entrou em contacto com o médico da sua empresa quando sentiu que as palpitações não passavam,depois de tomar o primeiro comprimido. Olha a situação que você se...nos colocou,Gabriel. Por Deus! Eu pedi tanto pra você parar de fumar e...
Fechei os olhos como se aquele ato pudesse apagar a voz de Norma da minha cabeça,mas ela continuava falando,ininterruptamente. Eu sempre odiei o quanto Norma era tagarela. E eu só pensava que agora mais do que nunca eu teria que suportá-la.
-Nor...ma! Ca...la a bo...ca.
-Você é mesmo um cretino,não é Gabriel? Nem assim entrevado num leito de hospital você consegue ser mais humilde. -ela abaixou-se um pouco e sussurrou em meu ouvido- Eu sugiro que você me trate melhor daqui pra frente. Eu sou tudo o que lhe resta!
-Qua...to tem...po eu es...tou aqui?-ignorei seu comentário.
-Mais ou menos um mês, pra ser mais exata,três semanas e quatro dias.
Suspirei longamente!
-Com as sessões de fisioterapia e radioterapia você pode recuperar os movimentos. -ela pareceu se compadecer de mim.-Você tem muita sorte em estar vivo.Sorte?!
Que maldita sorte era essa que me colocava no risco de nunca mais me erguer?
Que sorte era essa que eu não poderia mais encarar as pessoas de frente,olho no olho? Onde na melhor das circunstâncias eu estaria atrelado a uma cadeira de rodas e na pior delas eu não teria mais os movimentos do pescoço pra baixo.
Que sorte era essa,que me providenciara um infarto,um acidente e me fizera continuar vivo para depender de uma mulher que me amou um dia e hoje me odeia.
Que sorte era essa,que me faria depender da boa vontade alheia para tudo?
Eu realmente tinha muita sorte.
Eu me sentia como na música de Cazuza,O tempo não para,que coincidentemente eu sempre gostei muito....Dias sim,dias não, eu vou sobrevivendo sem um arranhão,da caridade de quem me detesta.
Essa parte da música martelava na minha cabeça como um mantra. Era assim que eu me sentia,com exceção da parte do...sem um arranhão.
Eu estava literalmente ferrado!
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Paixão sem limites
RomanceIsabela sente-se triste e confusa ,aos trinta anos vive com a mãe e mais duas irmãs e jamais experimentou uma paixão, sem contar que é virgem. Até que a chegada de um novo vizinho na pequena localidade onde vive,altera esse quadro em sua vida. Gabri...