A Seleção - O Chamado Para a Realeza

Capítulo 9

Miguel estava meio deitado, meio sentado com a bunda enfaixada em uma cama na enfermaria. Ele lia atentamente um artigo que lhe chamara bastante atenção, enquanto tentava ignorar, sem muito sucesso, a dor latejante em seu traseiro machucado. Os anti-inflamatórios não tinham dado conta de anestesiá-lo por completo e ele precisava de alguma coisa para se distrair.

- Veja, Lucy, escute isso. Olhe que interessante... - Pediu o principe, tentando soar mais animado. Lucy estava sentada em uma poltrona ao lado de sua cama desde que ele dera entrada ali. A pobre menina se sentira muito culpada pela flecha que tinha lhe acertado na bunda. Mas ele já a havia perdoado no minuto em que aconteceu. Lucy era nova, nunca tinha segurado um arco como aquele, nem tampouco atirado uma flecha. Ele sabia que deveria tê-la ensinado melhor. - "Lá estava eu esticado na neve com o rosto a poucos centímetros de uma criaturinha branca felpuda - uma minúscula foca-da-groenlândia - de olhos negros, fixos nos meus. Todo arrepiado - não por causa do frio do gelo, mas pela emoção de estar ali - , eu não queria perder nada. Queria ver essa bola felpuda piscando, respirando ou movimentando rapidamente os bigodes. Mal podia acreditar que finalmente meu sonho de 20 anos estava se tornando realidade! O resto do grupo estava a 100 quilômetros, numa enorme massa de gelo no meio do golfo de São Lourenço, entre a Terra Nova e o continente canadense. Eu e minha esposa tínhamos voado para as ilhas Magdalen, perto da área de reprodução da maior concentração de focas-da-groenlândia. Vestimos nossos agasalhos térmicos laranja fluorescente, que os guias garantiram que não assustariam os bebês-foca."

Miguel olhou para Lucy, e viu que ela estava prestando atenção em suas palavras, então voltou o olhar para seu tablet e prosseguiu com a leitura:

- "As fêmeas do rebanho que vínhamos observando haviam descido da Groenlândia e passado pelo norte do Canadá, vindo até as ilhas Magdalen para dar cria. Elas dão cria em questão de um minuto! É o tempo de se ajustar a câmera e a cria já estará encarando você. Logo após o parto, a mãe se vira e encosta o focinho no do recém-nascido, para gravar o odor e a voz característicos do filhote. A partir desse dia, ela amamenta somente a ele por cerca de duas semanas. No berçário de gelo flutuante, estão protegidos dos predadores. Quando os bebês-foca estão esfomeados parece que gritam "ma, ma", e logo procuram as tetas da mamãe-foca. Uma vez saciados, se enfiam numa fenda na neve e no gelo e se ajeitam para tirar um cochilo. Depois de fazerem isso algumas vezes, o corpo deles molda o gelo formando um "berço de gelo" aconchegante.

- Que fofinho. - Comentou Lucy, com uma risadinha sonora.

Miguel estava gostando daquele tempo ali com ela, mesmo que a dor em suas nádegas incomodasse um pouco e que aquele ambiente não fosse o mais adequeado para se ter um encontro romântico. Não que aquilo fosse um encontro. Não era.

- Não é? - Miguel sorriu de volta para Lucy e molhou a garganta, pois não havia terminado de ler a matéria, que não era bem uma matéria, mas um relato pessoal de um aventureiro. - " Nosso grupo era composto de dezessete pessoas. Depois de vestirmos agasalhos térmicos e nos munirmos de botas e luvas com forro térmico, subimos nos helicópteros e voamos cerca de 80 quilômetros. Ao olhar para baixo, o que vimos fora uma imensidão branca cintilante - gelo a perder de vista no horizonte azul. Finalmente aterrissamos no mar congelado. Amarramos nossas botas especiais e caminhamos silenciosamente, tanto quanto possível, na neve. Logo avistamos atrás de uma mamãe-foca um lindo bebê-foca de pelagem amarela. Mais parecia uma enorme lagarta felpuda tentando manter o passo da mão. Estávamos deslumbrados e não conseguíamos tirar os olhos do bichinho."

"Nos deitamos no chão, para não assustar as focas que poderiam nos confundir com ursos polares. Sabendo que mamães-foca às vezes são muito agressivas, ficamos esperando até uma delas em especial entrar num buraco no gelo. Estávamos de olho no filhote, a quem dei o nome de Leslie. Era uma fêmea que estava dormindo gostoso a cerca de 6 metros. Eu me arrastei até chegar bem perto e aos poucos Leslie abriu os olhinhos."