No Rastro do Lobo

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A Coruja observava avidamente a conversa entre o Gato e o Lobo. Estranho, ela pensou. O Lobo traiu sua natureza. Devia ter matado o Gato, porém o poupou. Algo estava errado. Ela piscou e um segundo foi o suficiente para perder o Lobo de vista. Está nas sombras. pensou ela, mas não se atrevia a entrar naquele território. Era perigoso demais, até para uma criatura sábia como ela. Porém naquela hora era mais sábio não entrar na escuridão do fim da rua.

A Coruja observou o Gato. O maldito gato escuro que possuía sangue em suas patas. Não inocente, era um sangue corrupto de vidas abaladas e malditas, finalizadas pela intervenção do Gato. A Coruja não ousou interrogar o Gato, era agourento demais para se expor em uma conversa com ele. Quem saberia o destino do Lobo naquela noite? O que o Gato lhe teria dito? Qual a relação entre eles? A sábia Coruja chegou tarde demais para acompanhar toda a conversa, mas de uma coisa ela sabia, algo não estava certo.

Após observar o gato por alguns minutos, caçando ratos nas ruas e revirando lixos em busca de alimento, a Coruja entediou-se. Achou que era hora de contar tudo ao Regente e encerrar seu expediente. Já havia rondado a noite toda sobre a cidade, cuidando e relatando tudo o que via, o Regente deveria saber. Alçou voo em direção ao ginásio abandonado, lugar onde vivia o regente daquela região, responsável pela conservação do equilíbrio místico da localidade.

Após algum tempo batendo asas a coruja aterrissou por entre altas vidraças quebradas do ginásio. O lugar era decadente, o chão de tacos saltados e o teto com grandes aberturas que permitiam a entrada da mórbida luz do luar. Vidraças quebradas e pedaços da estrutura espalhados por toda a arquibancada, um esconderijo perfeito para um Rutsah. O Conselho realmente tinha morrido, o poder se esvaiu das mãos dos Rutsah's, e agora era mantido em lugares isolados e pequenos como na pequena Karcosa, pelos líderes que restaram do massacre. A coruja entrou no banheiro masculino e avistou o Regente, sentado no chão e encostado na parede empoeirada do banheiro.

-Lágrima esteve aqui. - Disse o Regente, acendendo um charuto e pondo em sua boca.

-Lágrima? - disse a Coruja espantada - Lágrima está aprisionada!

-Parece que não. - o Regente levantou-se e apontou para um bilhete sobre a pia do banheiro. - Encontrei isso. É uma carta, está encantada, mas sei que é dela.

A Coruja avaliou a carta.

-Senhor, não há nada escrito nessa folha. Por que pensa que é de Lágrima?

O Regente olhou para a pequena janela do banheiro masculino, e a luz do luar tocou seus olhos.

-Precisamos de alguém que chore por ela.

A Coruja riu.

-Por ela quem? Por Lágrima? - deu uma gargalhada desdenhosa - O diretor do Exílio deve estar chorando agora por sua fuga, se é que ela conseguiu mesmo escapar.

-O diretor do Exílio não estaria mais vivo caso Lágrima escapasse.

-Quer que eu cheque isso senhor? - Perguntou a Coruja parecendo preocupada.

-Quero que ache alguém que chore por ela.

-Senhor, mas quem...

-Encontre Coruja. Senão você que vai ter que chorar por não ter encontrado.

A Coruja arregalou os olhos.

-Sim, Senhor. - disse ela - Senhor. Eu vi o Lobo hoje, conversando com o Gato.

-Ah, o Lobo. Havia me esquecido dele.

-Senhor, algo está errado. O Lobo falou algo com o Gato e se foi. Não ameaçou sequer arrancar um pelo do Gato.

-Humm, viu para onde ele foi?

-Se escondeu nas sombras, no fim da Rua das Bruxas. Não me atrevi em segui-lo.

-Fez bem. Agora vá, cuidarei disso mais tarde.

A coruja alçou voo porta fora, e uma de suas penas se soltou, caindo lentamente e deslizando no ar até tocar o chão.

Crônicas de KarcosaOnde histórias criam vida. Descubra agora