As Sombras Também Sangram

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O ar daquele lugar era diferente. A luz do sol que ali brilhava tinha tons estranhos, e as vegetações que cobriam o território em torno do refúgio eram das mais variadas e inimagináveis espécies, das que Elise nunca vira ou ouvira falar.

Estava sentada em uma pequena cadeira de madeira estranha, no que parecia ser a cozinha do chalé. A garota das sombras que havia salvado já andava, e parecia apressada, juntando várias coisas e pondo em uma espécie de bolsa velha de peles. Não haviam conversado muito. Quando a garota das sombras acordou, não sentia as pernas. Sussurrava com muito esforço, palavras que Elise não compreendia. Graças a ela a moça não havia morrido. Mais alguns litros de sangue perdidos e não veria mais a luz do dia.

- Por que me trouxe para este lugar? - Perguntou Elise.

Havia salvado a moça, mas não entendia o motivo de tê-la trazido junto para o chalé que chamava de Refúgio.

- Segurança. - Respondeu Lágrima. - Você agora está com a marca, assim como eu.

A jovem não compreendia.

- Marca?

Lágrima não respondeu mais nada, saiu mancando para um quartinho e se trancou lá por algum tempo.

Para Elise tanto fazia, lá ou ali, não tinha uma casa de qualquer forma, e seu namorado a havia decepcionado muito para ter vontade de voltar. Provavelmente a matariam se voltasse, já que salvou a assassina que tanto queriam eliminar de seu caminho. Lembrou-se do pai, mas não gostava muito de pensar nele. Era difícil demais, a relação dos dois, preferia não lembrar-se de como ele estaria. Talvez nem viesse atrás dela, talvez estivesse louco por sua ausência, Vinny era incompreensível, assim como ela.

Lágrima saiu do quarto, e lançou um olhar indiferente para Elise enquanto mancava até a mesa. Tinha trocado de roupa, e agora estava com um manto amarronzado que cobria grande parte de seu busto e barriga perfurados, usava também uma calça de pele de algum animal selvagem que Elise não identificou. Colocou chá em uma xícara pequena e levou até a boca.

- Você não se surpreende? - Disse ela.

- Com o que? - Respondeu a humana.

- Com tudo. Comigo, com o que fiz, com esse lugar.

Elise suspirou.

- Acho curioso, mas já vi muitas coisas estranhas. Essa não é a primeira. - Notou que a moça franziu os celhos. - Mas não me importaria de saber que lugar é esse.

- Meu Refúgio. - Disse Lágrima, pegando sua bolsa e pondo nas costas. - E preciso abandoná-lo.

- Parece bem longe da cidade. Nunca visitei esse lugar.

Ela nada respondeu. Caminhou até a porta com a bolsa nas costas e caiu. Elise foi até ela e ajudou-a a levantar-se. Estava fraca, os tiros haviam penetrado fundo em sua carne, e apesar de curar-se rapidamente, precisaria de mais tempo.

- Precisamos ir.

- Você ainda está fraca, não sei como sobreviveu. - Elise pegou sua bolsa e pôs em suas costas, mas Lágrima não deixou.

- Eu levo. - Disse ela, tomando de suas mãos.

- E para onde vamos? - Perguntou a jovem humana.

- Vamos encontrar um novo refúgio, em outro plano, onde não possam nos farejar.

- E onde estamos afinal?

- Khad, aqui é Khad, e chega de perguntas. Sua cabecinha humana demoraria demais para entender. - Disse ela, cruzando a porta vagarosamente.

Elise foi atrás dela, não pareceu contente.

- Vai se arrastar desse jeito até morrer? - Questionou - Você está quebrada!

- Vou me arrastar o quanto precisar. - Respondeu sem olhar para trás.

"Merda" pensou Elise. A garota parecia seu pai.

Lágrima caminhava um pouco a frente, enquanto a jovem que a salvara vinha de atrás, a passos de formiga para acompanhá-la. "De qualquer forma, a humana me salvou." Tinha pena da jovem. Parecia tão perdida, sem um rumo, sem uma família. Parecia-se com ela. Olhou para trás.

- Venha. Leve a bolsa um pouco para mim.

Crônicas de KarcosaOnde histórias criam vida. Descubra agora