Traga-me para o Outro Lado

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- No início, éramos fortes. Não sabíamos de onde viemos, nem quem havia nos criado, mas éramos os reis deste mundo. Tínhamos nossos domínios, nossas casas, um verdadeiro Éden, até que uma pequena raça surgiu. Dizia-se que nosso povo vivia em harmonia, antes de ela surgir. Tivemos a oportunidade de destruí-los, sim, mas houveram divergências. Como a nova raça era fraca e indefesa, alguns dos nossos optaram por deixá-los viver, afinal, nada neste universo crescia sem nossa permissão. Porém, nos faltava um governo sólido, e um pouco de bom senso. Enfim, fizemos pouco caso dos mundanos, enquanto isso eles cresciam, se expandiam, como uma doença que tomava o mundo. Aos poucos foram ficando civilizados, e formaram governos, sistemas, enquanto o nosso povo permanecia inerte, vivendo suas vidas tranquilamente, sem preocupar-se com os casos mundanos.

"Foi então que as primeiras perseguições surgiram, e começamos a dar a devida atenção a eles só quando começamos a morrer. Nunca fomos unidos, admito, e isso que nos fez ruir por completo, mas quando essas perseguições começaram se ergueram duas frentes. Os que acreditavam que teríamos a chance de viver novamente caso exterminássemos aquele povo, e os que por um motivo obscuro, ou por pura traição, decidiram adorá-los e poupá-los da morte, condenando a sua própria origem. Formaram-se então os Northum e os Rutsah's. Essa divergência de opiniões levou-os a uma terrível guerra, que massacrou ambos os lados, e extinguiu uma cidade mundana por completo."

"Lembro-me de meu pai, quando contava das terríveis atrocidades que os Rutsah's cometiam com nossa gente, exterminando espécies místicas que não possuíam capacidade para se defender. Meu pai, que já não está mais em nosso meio, morreu pelas mãos de um traidor, um maldito general Rutsah que já havia participado de outros massacres antes de perfurar o peito de meu pai com sua lâmina azul. - Gaillith levantou-se da cadeira da biblioteca - Enfim, ambos saíram prejudicados, mas a vitória foi dada aos Rutsah's, por possuírem uma menor contagem de mortos, pois já haviam destruído os potenciais aliados dos Northum em ataques surpresa, antes mesmo da grande guerra, um plano sujo e sorrateiro."

O nobre foi interrompido por um criado, que bateu na porta pedindo permissão para entrar.

- Senhor, perdoe-me a intromissão, mas a lua amarela está chegando. - Disse o magro criado, velho e de poucos cabelos, curvado, porém, bem vestido, com um terno preto e gravata borboleta rubra.

- Pode fechar as cortinas, Batus. Traga-me também uma taça de vinho, e também para meu convidado, caso aceite.

- Confesso que não é a minha bebida preferida, mas aceito um gole. - Disse o homem alto, possuía grande quantidade de pelos brancos na face e nos braços, com o rosto traçado por um aspecto canino.

O criado fez uma reverência, fechou as cortinas da grande sala em que estavam, e retirou-se.

- E o que você me propõe afinal, Lorde Gaillith? - Disse o homem.

O nobre andou pela sala e dirigiu-se a uma prateleira de livros. Era um lugar enorme, uma sala de visitas que se assemelhava a um salão de festas em tamanho. Retirou um livro da prateleira.

- Caro Varus, sabe que livro é este? - Perguntou o Lorde.

- Não.

- Este livro é uma profecia, escrita há muito tempo pelos bruxos de meu pai. A profecia promete que um dia os Northum ressurgiriam, após a queda daqueles que traíram seu próprio sangue. Pois bem, pretendo que esta profecia se cumpra, e para isso precisarei de sua ajuda. Sei que possuí certa simpatia com minha ideologia.

O sujeito fez um gesto positivo com a cabeça, e o criado entrou com as taças de vinho.

- Karcosa anda meio sem dono, que eu saiba, o xerife está ocupado com outros assuntos... Pois bem - tinha um ar malicioso na voz, parou por um momento para sorver o vinho da taça - preciso que mecha alguns pauzinhos para mim. Você não é a peça chave de meu plano, mas é de grande valia para que ele se concretize, creio que eu possa confiar em você. Certo?

- Creio que sim. Mas o que ganharei em troca?

- Poder, Varus. Terá suas terras novamente, seu respeito novamente, e toda a sorte de coisas que precisar para manter isso.

O sujeito pensou por um momento, e estendeu a mão para o nobre.

- Acho que temos um acordo. Auxiliarei-lhe em sua vingança pessoal.

Lorde Gaillith riu.

- É muito mais do que uma vingança pessoal, Varus. É uma batalha, uma batalha que pende por séculos em meu coração, e que ferve em meu sangue. Tudo pelo meu povo, tudo pelo meu pai.

As mãos dos dois se apertaram e um pacto foi feito naquela noite. Varus deixou o castelo de Lorde Gaillith, pensativo, porém satisfeito. Havia esperado séculos para receber suas terras novamente, e agora finalmente as poderia tê-las.

De fato o massacre do Conselho Rutsah tinha sido uma brecha muito grande para um golpe, mas Varus se preocupava com as proporções que aquilo poderia tomar. Mesmo com o Conselho enfraquecido, o General Alyoth ainda era um grande símbolo da ideologia Rutsah, e poderia erguer-se com um exército rapidamente, caso tivesse ciência do plano de Gaillith. Mas enquanto isso não ocorresse, o Lobo teria que trabalhar em silêncio e preparar o terreno para a chegada do novo líder.

Crônicas de KarcosaOnde histórias criam vida. Descubra agora