O Espelho

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- Mas como encontrarei Lágrima se não a vejo a tempos e não sei onde ela está?

O Lobo sorriu enquanto dirigiam-se para fora do calabouço.

- Você não precisará encontrá-la, esse papel eu farei. Precisamos de você para atraí-la até nós, e você é o único em que Lágrima ainda pode confiar.

O Gato se calou, aquilo era cruel demais. Mas tendo em vista que ele era um grande trapaceiro, Turin já maquinava algo em sua mente.

- E sobre meu pacto, como conseguirão revertê-lo?

- Temos boas ofertas para aquelas bruxas.

O Gato indagou:

- Quando fala "temos", se refere a você e quem mais? - Era astuto, mas não conseguiria tirar uma resposta assim tão fácil do Lobo.

- Não é de sua conta. Você só vai me seguir.

- Por que não vai sozinho atrás dela?

O Lobo deu uma bufada.

- Não adianta saber chegar no lago com um anzol mas sem uma isca. E cale a boca, não é porque vai trabalhar ao meu lado que eu não vou poder te machucar.

O Gato ficou em silêncio. Sabia que Varus era extremamente manipulável, por mais que tentava manter aquela casca má nunca teve uma opinião firme sobre nada. Mesmo assim teria que se cuidar, a paciência dele não era das maiores.

Caminharam por uma estrada de chão com uma encosta coberta por pinheiros, era noite e uma névoa densa abraçava Karcosa. Podia-se perceber o brilho das luzes da cidade através da nuvem, que impedia a visão da estrada escura metros a frente.

O Lobo andava sem pressa, não parecia preocupado ou ansioso, o que causava uma pequena aflição no Gato, fazendo-o pensar que talvez Varus soubesse mesmo o rastro de Lágrima. Ou talvez estivesse calmo justamente porque não fazia a menor ideia de por onde começar a procurar.

As noites em Karcosa eram frias, o que fazia até mesmo os animais noturnos se recolherem para suas tocas. O Lobo farejou alguma coisa, parou por um tempo, olhou para entre a mata fechada de pinheiros. O Gato observava sem pudor, era o que fazia de melhor. Varus era um ser complexo e simples ao mesmo tempo, quando se achava que finalmente estivesse conseguindo algo do Lobo, ele simplesmente agia de maneira controversa e derrubava qualquer hipótese sobre sua persona. Ele rosnou, deu dois passos em direção aos pinheiros e parou novamente fitando a escuridão. O Gato não sentia nada de errado, seus sentidos eram apurados, porém, não havia detectado nada que justificasse o comportamento de Varus.

- O que foi? - Sussurou o Gato.

Varus não respondeu de imediato, continuou olhando a escuridão e a névoa.

- Nada, vamos. - Foi aspero em sua resposta.

Prosseguiram até chegar na região urbana da cidade, que se encontrava deserta, sem nenhum indício de vida.

Turin expressou um sentimento:

- Essa cidade parece um lugar esquecido na memória de alguém. Como se nada funcionasse como deveria, como se tudo fosse fruto de uma mente nebulosa e perversa.

O Lobo resmungou algo em voz baixa e continuou andando sem dar muito crédito. Caminharam até o o bar dos Under Monsters, onde poderia ter acontecido o possível incidente com Lágrima.
A teoria de Turin sobre os Northum foi concretizada naquele momento, porém não sabia ao certo o nome por trás da busca.
Entraram pelos fundos, a porta estava aberta. Se dirigiram até um porão, uma espécie de adega no fim de uns lances de escadas.

O Lobo farejou o chão, tudo estava limpo, diferente da última vez que o Gato esteve por ali.

- É aqui que começamos. - Disse o Lobo.

Passados alguns minutos sem a manifestação de nenhum deles, Turin sentiu a presença de um terceiro ser se aproximando do local. Uma criatura grotesca meio homem e meio rato descia as escadas até a adega. Seu rosto era humano, porém, com traços de uma ratazana, de face pontiaguda e braços encurtados.

- Pensei que demorariam mais. - Disse a criatura.

- Você já deveria estar aqui. - Disse o Lobo, com semblante ameaçador.

A criatura olhou para o Gato com estranheza.

- O Regente já está na cidade Senhor. Ele tem novidades.

Turin ficou confuso, por que Alyoth estaria envolvido com Varus ou com os Northum?

- Primeiro quero saber de você. O que tem para me dizer sobre a garota? - Perguntou Varus, impaciente.

- Oh, sim, desculpe-me - parecia intimidado - estou aqui para isso e já vou lhe contar. Vi uma garota fugindo junto com ela, uma jovem, ela pareceu estar auxiliando em sua fuga Senhor. Sim, sim, ela estava ajudando a assassina!

- Para onde elas foram, e como fugiram?

- Em uma moto, Senhor. A jovem pôs a assassina na frente para segurá-la enquanto dirigia, pois estava desacordada. Sim, sim, foi assim que fugiram.

- Para onde foram?

- Bem, Senhor, elas sairam bem rápido, não tive tempo de segui-las, não estava em condições...

O Lobo interrompeu o informante.

- Você disse que conhecia o esconderijo delas seu desgraçado. - Nessa altura já estava em sua forma humana, e partia com as mãos em direção a garganta do informante, para sufocá-lo.

A ratazana se retraiu.

- Não! não! Eu posso explicar, eu tenho um informante!

- Não estou afim de entrevistar outro traste como você! Está me dando nos nervos rato nojento. - Segurou a criatura pelo colarinho, seus olhos estavam rubros.

- Ele já está a caminho! É sério, não vai pagar nada! Ele vem, sim, só espere! Por favor! - Implorou.

O Lobo largou o rato e subiu as escadas, foi até a rua. Turin o seguiu e se pôs ao seu lado, na porta do bar, olhando a rua enevoada da cidade.

- É um espelho. - Disse o Lobo, resmungando.

- O quê? - Questinou o Gato.

- Essa cidade, é um espelho de nós mesmos.

Crônicas de KarcosaOnde histórias criam vida. Descubra agora