As Cinzas de Salem

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As grandes fogueiras queimavam nos arredores da cidade pacata, as bruxas da região se reuniam para celebrar a macabra noite de Walpurguis. Os moradores de Salem guardavam-se em suas casas, buscando alguma forma de se proteger dos sinistros rituais da noite de Walpurguis. Há dois dias atrás algumas crianças desapareceram, como de praxe, todo ano algum descuidado perdia seu filho para os rituais. Quão macabro era o clima em Salem, a cidade apagada com apenas algumas luzes clareando o centro, a praça, e alguns pátios trancados. Ao longe, por alguma janela, podia-se ver uma fogueira acesa. Os forasteiros indignavam-se de ver os cidadãos acoados em suas casas, mesmo aqueles que tiveram seus filhos tomados, mas ninguém tinha coragem de seguir as trilhas da noite de Walpurguis, e os que um dia tiveram essa coragem nunca mais voltaram.

Naquela temerosa noite uma família orava em seus quartos. O pai e a mãe, o menino caçula, a jovem e o irmão primogênito. Todos apreensivos para que aquela noite maldita acabasse de uma vez, mas a meia noite nem havia chegado ainda. O mais velho, no quarto com seus irmãos ouviu um som vindo da rua, um ruído de sinos e cavalos na estrada principal. Curioso, o garoto com cerca de 15 anos aproximou-se da janela do quarto para ouvir com mais clareza.

- Não abra! - Esclamou a irmã do meio.

- Não vou abrir, só escutar.

A jovem, com um semblante preocupado abraçou o caçula.

- São as bruxas? - Perguntou o pequeno com a voz trêmula.

Ninguém respondeu.

Os sinos pararam, assim como o som das patas. O primogênito pode ouvir algum corajoso abrindo a janela para avistar o forasteiro, mas percebeu que a espiada foi breve, e seguida de um murmúrio de horror.

As fogueiras e os tambores aumentavam com mais veemência, enquanto o medo dos cidadãos de Salem arrepiava-os por inteiro.

O menino escutou passos pela praça, furtivos e quase imperceptíveis, mas eram muitos dessa vez. Línguas estranhas também ressoavam pela estrada principal, aterrorizando os moradores. Nunca tal coisa havia acontecido na cidade, mesmo nas noites de Walpurguis. O pai dos garotos apareceu na porta com uma vela.

- Estão ouvindo? - Perguntou ele, tentando iluminar as crianças.

- Estou com medo. - Disse o mais novo.

- Venham para o nosso quarto, tem algo de errado. Mas não se preocupem, estamos seguros, o pai vai cuidar de vocês. - Disse o homem, com o espírito abalado.

As crianças seguiram ele até o quarto e deitaram todos na cama juntos a mãe, exceto o mais velho.

- Pai o que está havendo? - Perguntou ele, aproximando-se de seu pai.

O homem assustado respondeu.

- Não deve ser nada demais, o pai vai dar uma espiada, devem ser alguns jovens da Arkham pregando peças na nossa gente. Aqueles garotos não tem respeito nem por essas noites malditas.

Dirigiu-se até a porta que levava à escada da loja, abriu-a e desceu devagarinho. Na metade da escada agachou-se para poder ver pelos vidros de sua loja. Diversas figuras negras estavam distribuídas pela praça, ele não conseguiu identificar quem eram, porém, um calafrio lhe avisou de quem se tratava. Ele olhou para a porta da loja e percebeu que a trava de segurança não estava fechada. Foi agachado vagarosamente até a porta, sem tirar os olhos das figuras suspeitas. Não conseguia ver seus rostos, pois estavam encapusados e virados para uma carruagem nobre estacionada no centro do amontoado de figuras. Um homem pálido olhava pela janela da carruagem, assombroso, enquanto seu arauto soprava instruções indecifráveis em uma voz sussurrante e perturbadora para os seres encapusados.

Esticou o braço até a trava e fechou-a no mesmo instante em que viu muitas das figuras encapusadas se movendo em direção a várias casas, estavam se dispersando. Ele viu seus rostos e sentiu que havia chegado o dia do Juizo Final. Correu imediatamente para as escadas e subiu desajeitado tropeçando nas próprias pernas. Caiu no chão e pode perceber as figuras inumanas tentando abrir a porta da loja, assim como de várias outras casas. Levantou-se rapidamente e atirou-se para dentro de casa, trancou a porta com as chaves e as travas e arrastou um móvel pesado para segurá-la. Ao virar-se, viu o rosto do mais velho, horrorizado.

- O que se passa pai? - Estava respirando ofegante, espantado com as atitudes do pai.

- Vá para o quarto com sua mãe e seus irmãos e se tranque lá. Arrastem o guarda-roupas até a porta, não deixem que ninguém entre, logo alguém virá resolver isso. - Disse desesperado, indo até um baú de lenha e apanhando um machado.

Escutou um estampido, os vidros da vitrine da loja sendo estilhaçados.

- Corra! Logo! - Gritou com o filho.

Nesse momento eles já ouviam os gritos de vários moradores em outras casas de Salem, vidros quebrando, portas sendo arrombadas, fogo, armas, um caos total. O homem aguardou próximo a porta com o machado em mãos, ouvia os intrusos dentro de sua loja, derrubavam coisas, gritavam palavras profanas e impronunciáveis. Escutou passos na escada, imaginou que estavam se aproximando da porta. Forçaram a fechadura mas não obtiveram sucesso. Por alguns segundos o homem achou que estavam a salvo, até que o móvel que havia arrastado até a porta começou a mover-se sozinho e afastar-se dela. Ele tentou impedir que isso acontecesse, mas sua força não era o suficiente. As travas da porta se soltaram e ela se abriu, o homem tentou brandir seu machado sobre a cabeça dos impostores, mas nada os deteve. A mulher e aa crianças gritavam sem parar ao ouvirem os sons da luta do patriarca, o armário de roupas do quarto deles também moveu-se sozinho, e as travas se soltaram em seguida. Naquela noite o sangue daquela família banhou as paredes da casa, assim como de várias outras na cidade de Salem. Os terrenos foram torturados e massacrados sem dó alguma.

Enquanto o banho de sangue acontecia, Gaillith bebia vinho em sua carruagem nobre, acompanhado de seu arauto. Riam e faziam gracejos enquanto seus soldados aniquilavam os mais fracos. O regente de Salem também estava junto deles, o novo indicado ao cargo. Era mais uma cidade dominada pela revolução Northum, e quando ela acabasse não restaria um só ser terreno naquela pequena cidade.

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⏰ Última atualização: Jul 05, 2017 ⏰

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