Lágrimas no Chão

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Já havia cruzado o alçapão há algum tempo. Passara o dia todo se preparando, idealizando formas de assassinar seu alvo, que, dessa vez não seria tão fácil quanto da última vez. O assassinato do vampiro havia repercutido tanto no mundo mortal quanto no místico, já era de se esperar o preparo antecipado das próximas presas.

Lágrima estava confiante, porém, não subestimava seus inimigos. Drakar era casca grossa, um Mórfor na forma de um humano, líder de uma famosa gangue de motoqueiros da região. Sua fama era tenebrosa até entre os humanos, ao contrário de Dorin Klasar, que era discreto em suas perversões.

Os Mórfors por si só, eram criaturas das trevas, brutais e perturbadoras, dotadas do poder de moldar carne e ossos, não só de si, como também de qualquer outros seres. Possuíam a fama de deformar seus inimigos desde a Idade Média, época em que tiveram maior contato com o mundo humano. Torturavam e escarnicavam humanos em seu auge, claro, sem que todos soubessem.

Drakar por sua vez, não era tão diferente dos seres de sua espécie. Visto que os Mórfors estavam praticamente extintos desde a Inquisição, Drakar era um exímio sobrevivente, e não seria tão simples tirá-lo desse mundo.

Lágrima estava a alguns quarteirões do que se acreditava ser o covil dos Under Monsters, gangue de motoqueiros de seu alvo. Suas lâminas estavam afiadas como sempre, e ela as havia embainhado em um veneno especialmente preparado para Drakar. Ela chamava de Mata-Gigantes, um golpe no lugar certo e qualquer grandalhão cairia aos seus pés. Pelo menos era o que ela planejava.

Estava agora sobre um prédio não muito alto, observando o bar do motoclub. Tinha tudo em sua mente, como entrar e como sair, quem matar e quem ferir, só esperava o momento certo. Não pretendia enfrentar a gangue, eram muitos, mesmo que ela fosse uma hábil assassina, não se arriscaria em uma investida tão brusca contra homens armados.

Um assassino sabe a hora de entrar e de sair de um combate, lembrava ela. Sua vida tinha que ser preservada acima de tudo, pois não era mais imortal. Havia traído o pacto com seu clã há muito tempo, e agora contava com seu instinto e com a sorte.

Pegou um punhado de pó negro de seu bolso, Negrareia era como chamava, e deixou deslizar sobre seus cabelos, que tomavam a forma de uma névoa escura enquanto se alongavam e tomavam seu corpo inteiro. Pulou do prédio e plainou até o telhado do bar aterrissando silenciosamente sobre ele.

Seu corpo pulsava, mesclando-se a escuridão e volta e meia tornando-se palpável, lhe dando a oportunidade de ver ao seu redor. Não se podia enxergar quando se estava camuflado nas sombras, era como se fosse um véu escuro cobrindo seus olhos. Só possuía audição e intuição.

Percorreu o telhado até os fundos do estabelecimento, e em uma das pulsações do efeito de Negrareia observou uma grande quantidade de motos paradas em um estacionamento, viu também de relance a porta dos fundos. Saltou para o chão, cruzando a fechadura da porta rapidamente.
Não conseguia ver naquele momento, precisava concentrar em sua audição, se quisesse enxergar precisaria materializar-se. Sua audição, porém, era afetada por uma forte música, que parecia dirigida totalmente a ela. Como possuía conhecimento do lugar, dirigiu-se para direita, onde acreditava que houvesse uma escadaria que levasse ao porão. Algo estava estranho, não ouvia vozes, só música. Mas não se arriscaria tentar ver através do véu ainda, não naquele lugar.

Sentia que descia as escadas, não se viu impedida por nenhuma porta ou parede, então prosseguiu. Deveria estar dentro de algum depósito e talvez ali fosse seguro revelar-se. Cogitou por um segundo e materializou-se.

Ouviu um grito um momento antes de abrir os olhos.

-Te peguei vagabunda!

Um tiro atingiu sua costela logo em seguida. Ele já estava a sua espera, mas não como ela previra.

Caiu no chão sem forças, arrastando-se o pouco que conseguia para longe de seu agressor. Junto dele estavam cerca de trinta homens armados, apontando suas armas para Lágrima.

Drakar se apresentava como um homem alto e corpulento, possuia uma barba grande e grisalha, e seu cabelo era raspado. Naquele momento segurava uma calibre 12 em suas mãos, a qual havia usado para ferir Lágrima.

Apontou a arma para a garota, que tentava se desmaterializar a todo custo enquanto se arrastava para trás.

-Sabe que não vai sair viva deste lugar, vagabunda. - sua voz era rouca e grave - Vou explodir sua cabeça logo, mas antes quero fazer algumas perguntas.

Lágrima parou de se arrastar, e tentou manter a respiração constante.

-Quem te enviou dessa vez? - Perguntou ele.

A garota cuspiu no chão, e Drakar engatilhou a arma.

-Responda a maldita pergunta, vagabunda! - Gritou.

-Me chama de vagabunda, só mais uma vez. - A raiva era evidente em seus olhos, sentimento que ela procurava controlar a todo custo, mas não dessa vez.

Ele atirou no teto do porão, e seus capangas se afastaram. Já pareciam surpresos por verem uma fumaça negra se transformar em uma mulher, as coisas só estavam ficando um pouco mais loucas. Mas não se importavam muito, eram apenas brutamontes criminosos. Lágrima avistou uma garota entre eles, não parecia do grupo, por mais que se esforçasse.

-Responda! Vagabun... - Gritou ele, sendo interrompido por um forte golpe no peito antes mesmo de conseguir enxergar o que estava acontecendo.

A assassina havia conseguido tempo o suficiente para se desmaterializar e avançar rapidamente na direção de Drakar, enterrando uma de suas adagas em seu peito, na direção do coração. Logo em seguida partiu para cima dos seus capangas.

Os tiros granulavam o porão, atingindo as paredes, o teto, e até mesmo os próprios brutamontes, mas agora Lágrima era máquina de matar imparável. Cravava sua adaga no pescoço de um por um antes que tivessem chance de reação, e desviava dos tiros se desmaterializando em curtos períodos de tempo.

Havia eliminado grande parte deles, quando uma de suas tentativas de esquiva falhou. Sentiu uma forte pressão em suas costas, e não teve forças pra continuar. Caiu no chão novamente e seus olhos se fecharam.

Crônicas de KarcosaOnde histórias criam vida. Descubra agora