Haviam adentrado a boca da caverna e percebido o ponto de fuga a cerca de uma hora atrás, quando Alyoth notou a presença de um alçapão naquele lugar.
- Já ouvi falar disso antes, algumas criaturas usaram na Guerra para desertar no Mundo dos Sonhos. O estranho é que isso não vai dar no mundo real. - Disse ele intrigado, observando as marcações em símbolos nas pedras da caverna.
- E onde isso vai dar? - Perguntou Vin.
- No Mundo dos Sonhos, provavelmente, ou talvez eu esteja enganado. Vamos descobrir, é aqui que o Olho diz que devemos estar.
Alyoth conhecia o ritual de transição pelos alçapões, haviam utilizado após o fim da guerra para caçar os desertores.
Deitaram-se no chão da caverna, Aly e Vin juntaram um punhado de areia do chão de deixaram o pó escorrer sobre seus olhos, e o General disse as palavras:
- Allum Zhalar, Khad Shaghath!
E ali estavam agora, caminhando em meio a um maravilhoso bosque, que só poderia ser obra de um sonho. O Olho apontava para uma só direção, e é para lá que se dirigiam. A espada de Alyoth começou a pesar depois de tanto tempo carregando-a nas costas. Andaram por mais alguns minutos, meia hora talvez, o tempo ali não corria como o de um relógio comum, até que avistaram um pequeno chalé a beira de um abismo, dirigiram-se para lá. O cenário era fantástico, o Mundo dos Sonhos estava apenas amanhacendo e despertaria a curiosidade de qualquer homem comum para ver o dia passar ali até o anoitecer, mas eles não eram homens comuns, infelizmente. Tinham que continuar, possuíam deveres, compromissos.
Eles pisaram o leve gramado que cercava o chalé e caminharam até a porta, observaram as flores que cercavam a casa, era de um capricho indiscriminado. Alyoth não tinha certeza se batia ou se simplesmente forçava a fechadura, porém, optou por forçar. O interior era comum, nada fora do padrão de um pequeno chalé, uma cozinha pequena com uma mesinha repleta de talheres e louças, havia comida ali também, a casa parecia vazia.
- Ei! - Gritou Alyoth, vendo que o lugar poderia estar habitado, mas não obteve resposta.
Andou até a mesa, vistoriou as xícaras de chá e alguns biscoitos que pareciam deliciosos. Percebeu algo de errado ao olhar a porta de um dos comodos.
- Vin, segure a jóia um instante. - Pediu, passando o Olho do Abismo para as mãos do companheiro.
O Regente foi até a soleira da porta de um quartinho pequeno, abaixou-se e colheu com o dedo uma espécie de pó negro que estava no chão meio disperso. Ele esfregou o material entre os dedos, Negrareia, pensou ele, enquanto via Vin se dirigir para o exterior da casa.
Lágrima esteve ali. Aly foi até a dispensa e viu que havia uma quantidade considerável de alimentos, e que certa quantia tinha sido recolhida com pressa, pela quantidade de bagunça que as frentes das prateleiras possuíam. Pegou uma maçã, estava com fome.
Poderia ter sido seu refúgio. Mas não fazia muito o estilo de Lágrima, tudo era muito colorido naquele lugar. Bem, talvez fosse essa a idéia, um lugar acima de qualquer suspeitas. Foi até a rua atrás de Vin, que estava de frente para o infindável abismo que cercava a lateral do chalé.
- Encontrou alguma coisa? - Perguntou Vin, vendo que o amigo se aproximava.
- Lágrima esteve aqui. Talvez tenha usado como esconderijo por algum tempo.
- Também encontrei algo interessante. - Vin levantou o Olho e Aly percebeu que ele apontava para o fundo do abismo. - Será que quer nos matar?
- Acho que quer nos salvar, deve ser a saída do Khad, um alçapão.
- Temos que conseguir uma corda, ou algo que nos permita descer até lá em baixo para encontrar a saída.
Alyoth riu.
- Não, Vin. A gente vai pular. Isso é um alçapão. Eh uma maneira de escapar do Mundo do Sonhos, como acontece quando sonhamos que estamos caindo e acordamos no fim da queda.
Vinny franziu o celho.
- E se essa ainda não é a saída, e o Olho quer que desçamos até lá em baixo? - Não estava afim de pular.
- É impossível descer isso, só pulando, é um alçapão. Quer sair desse lugar?
- Quero minha filha, Alyoth.
- Então, essa é nossa saída. Só me de um momento. - Voltou para a casa comendo a maçã.
Vin estava impaciente.
- Disse que Lágrima esteve aqui. Encontrou alguma coisa? - Perguntou.
- Sim, Negrareia, o mesmo que encontramos naquele bar, só que agora em menos quantidade. - Parou um instante para responder.
- Acha que ela está por aqui ainda?
- O chá não está quente e já decantou completamente. Partiu há um tempo, mas a maçã não apodreceu ainda.
Vin concordou com um gesto indeciso. Alyoth entrou no chalé seguido por Vin e investigou os outros cômodos, mas não obteve nada relevante, pareciam até que não foram usados pois tinham cheiro de mofo. Retornaram para o abismo.
- Preparado? - Perguntou Aly ao amigo.
- Por que não estaria? - Pareceu ofender-se.
Alyoth achou engraçado.
- Não sei. Até agora você queria uma corda. - Sorriu, zombeteiro.
- Segura essa merda - estendeu a jóia para o General - vou pular nessa desgraça.
Aly segurou a jóia e observou Vin se colocar em posição para o salto. Era engraçado demais, Vin estava realmente nervoso, mas tentava esconder. Quando tomou folego para pular Alyoth implicou:
- Não vai errar o alçapão.
- Vá comer merda! - Saltou.
O Regente observou a queda do companheiro até o fim do abismo e sorriu. Preparou-se para o pulo, pensou um pouco e olhou para trás, para o chalé. O Olho do Abismo se abriu em sua mão e apontou, não para o abismo que Vin pulara, mas sim para trás, para o bosque, para uma montanha que ficava no horizonte. Surgiram decisões e o General tinha que tomar uma escolha. Deu as costas para o abismo e respirou fundo. Quem sou eu para alterar o que já está escrito. Seguiu para a montanha.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Crônicas de Karcosa
خيال (فانتازيا)Tensões no universo mágico acontecem enquanto Alyoth, o Regente, busca resolver os mistérios da estranha cidade de Karcosa, se envolvendo em intrigas com criaturas mágicas pouco confiáveis, e desafiando seres inominaveis para manter o equilíbrio mág...