Um Recomeço

Trinta e seis

Nunca pensei que dormir em uma cadeira de hospital fosse tão ruim. Estou com dor nas costas da posição horrível que dormi mas não me arrependo. Eu nunca sairia de perto do meu irmão.

Enzo dormiu a noite toda. Achei que ele ficaria com insônia, já que depois da quimio dormiu toda a tarde mas aconteceu o contrário. Então, antes que ele acordasse fui até a cantina do hospital e comprei algumas coisas para ele. Não sei se há restrições de comida então eu apenas comprei suco da fruta e pão de queijo, que ele adora comer pela manhã.

Eram 8h quando o médico entrou no quarto para mais uma seção de quimio. Eu não entendo o motivo de ser todos os dias, pelo que li normalmente é dia sim dia não mas não queria saber. Eles são médicos e eu não entendo nada disso, prefiro apenas ajudar meu irmão.

Foi tudo tão horrível que eu não consegui assistir. Como a Carol conseguiu ficar ao lado dele, vendo-o sofrer tanto? Eu não tive estômago pra isso. Tantas drogas eram injetadas na sua veia, eu só conseguia pensar no quanto ele estava sofrendo, mais ainda em não querer demonstrar. Então antes que eu caísse no choro ali mesmo, eu o abandonei.

Sou tão fraca.

Tão estúpida.

Me odeio por fazer uma coisa dessas com ele, ele não merece ter uma irmã tão frágil como eu.

Meus pais chegaram e logo Carol e Rodrigo chegaram também. Estávamos esperando a quimioterapia acabar, e diferente de ontem, podemos entrar todos.

Enzo estava ainda pior.

Bem mais pálido que antes, seus lábios agora estavam quase brancos. Mas estava sorridente, como sempre esteve. Todos o abraçam mas eu não tive coragem. Estou constrangida por ter o abandonado nesse momento e ele percebe. Me repreende com o olhar.

- Como você está, amor?- Carol se aproxima dele e pergunta.

- Não estou muito bem. Mel, pegue aquele balde por gentileza.

Pego um balde que estava perto da porta. Entrego à ele, que vomita ali dentro. Isso aperta o meu coração.

- Vão embora.- Ele diz. A vol meio trêmula pelo vômito.

- Não queremos ir.

- Não vamos mesmo, Enzo.

- Eu estou dizendo pra irem embora. Agora.

Ele não gritou mas foi bem arrogante. Eu imagino o ele esteja passando. Enzo não gosta de demonstrar fraqueza e não gosta que sofram por ele. Todos vão até ele e se despedem. Quando chego a minha vez fico um pouco sem graça. Sussurro desculpa para ele, dou um beijo em sua testa e saio do quarto. Hoje Carol ficaria com ele.

Andando pelo corredor meu celular apita com uma nova mensagem. É de Lucas.

Lucas: Bom dia namorada. Estou com saudades. Posso te encontrar?

Mel: Estou no hospital que você me deixou ontem. Vem me buscar?

Lucas: Estou indo.

Fico do lado de fora do hospital esperando e tentando controlar a vontade de chorar. Ver Enzo naquele estado doeu tanto em mim. Ver quem você ama sofrer é tão terrível, eu não queria presenciar as cenas dolorosas de hoje. Como ele diz que eu sou forte? Eu com certeza não sou. O abandonei assim que as coisas começaram a ficar pesadas. Eu sou muito fraca.

Lucas chega minutos depois. Não digo nada e ele também não, percebendo que não estou bem. Perguntou apenas para onde iríamos e dei o endereço do meu apartamento. Eu só quero um banho, meu primeiro em 24h, colocar meu pijama dos minions e ficar quietinha.

******

- Quer me contar o que houve?

Lucas e eu estávamos no meu quarto. Eu já havia tomado banho, colocado meu pijama favorito e bebido um copo de vitamina que Lucas me obrigou a beber.

- Tudo bem.- Me aproximo ainda mais do seu corpo, com a cabeça grudada em seu peito nu.- Enzo está doente. Muito doente. Ele está com leucemia.- Choro tudo o que eu estava segurando dessa manhã horrorosa, Lucas ficou um tempo apenas me fazendo carinho até que o meu choro se controlasse.- Hoje foi a segunda seção de quimioterapia e eu deveria ter ficado com ele mas fui muito fraca. Eu não aguentei, Lucas. Ele estava sofrendo, sentindo dor, e vomitou... Ele ficou decepcionado.

- Amor, calma. Ele não vai ficar chateado com você. Nem todos conseguem assistir esse tipo de coisa. Eu também não conseguiria.

- Eu tenho tanto medo dele não sobreviver.

- Você não pode ser pessimista, Mel. Tem que acreditar que ele vai ficar bem.

- Eu sei, você está certo. É que o medo me deixa tão maluca...

- Eu sei que a relação de vocês é maravilhosa mas ele tem que ver você bem e não desmoronando. Acredite, se ele te ver mal ele vai ficar mal também.

- Tem razão. Eu não posso ficar assim. Preciso ter mais fé. Tenho certeza que Enzo vai se sair dessa.

- Isso mesmo, amor.- Ele concorda contente.- Agora vamos fazer o que nós realmente somos bons?