Um Recomeço

Vinte e Seis

Eu estava com um desânimo hoje que não estava me reconhecendo. Normalmente trabalho a semana toda ansiando pelo sábado mas não foi o que aconteceu esse fim de semana. Algo me dizia que não era uma boa ideia sair hoje, estava com uma vontade infinita de repetir meu programa de ontem. Mas Rodrigo disse que precisa de mim então eu serei uma boa amiga.

Ele sempre me ajudou muito com seus conselhos e sempre me colocou pra cima quando eu estava mal, não é justo eu virar as costas quando ele está precisando de mim para conversar. Então, decidi escolher minha roupa. Optei por um vestido branco de mangas compridas, ainda estava frio no Rio. Combinei com saltos pretos e uma bolsa rosa clara. Deixei meus cabelos soltos.

Passo perfume e depois de colocar meus pertences na bolsa, decido descer e aguardar na portaria. Rodrigo sempre chega adiantado e assim que chego ele já está me esperando. Ele vem até mim, está lindo com uma calça jeans escura, blusa social preta e blazer também preto.

- Oi, docinho. O que houve com você?- Ele pergunta.

- Nada, estou bem. Você está lindo.

- Você também está linda, mas quando não está?

Sorrio para ele, como sempre muito gentil. Entramos no seu carro e uma música brasileira tocava na rádio, me dando vontade de dançar.

- Se quiser podemos ir a uma boate depois do jantar.- Ele diz.

- Talvez, quem sabe.

Fomos o resto do caminho conversando amenidades mas eu estava com um pressentimento ruim e eu detestava sentir isso pois 99% das vezes alguma coisa realmente acontecia.

O restaurante é muito chique. É em tons escuros mas ao lado de fora tem um enorme jardim iluminado por luzes fluorescentes. As mesas são bastante distantes uma das outras e isso dava mais privacidade. Uma mulher loira e bem arrumada estava no palco, em um canto, cantando e tocando piano. O clima era muito agradável e eu gostei imediatamente.

Rodrigo reservou uma mesa na área externa. Andamos um pouco e fomos para os fundos. Era praticamente a mesma coisa que a entrada mas a diferença é que aqui tem as mesas. A lua estava linda hoje, dando mais um ar de romantismo ao lugar.

Pedimos a comida e enquanto não chegava começamos a beber nosso vinho. Digamos que com o passar do tempo eu tenha me familiarizado mais com as bebidas.

- Então -Começo.- Pode falar o que tanto você queria falar comigo.

Rodrigo dá mais um gole de seu vinho e respira fundo para tomar coragem.

- Eu estou de mudança.

O encaro confusa.

- Como assim?

- Bem, como você sabe eu sou de São Paulo e minha família está passando por alguns problemas lá. Eu não posso trazer eles pra cá por conta da saúde frágil da minha mãe mas depois de anos eu decidi tirar férias. Preciso ficar com ela, eu estou com medo do seu caso piorar e bem...- Ele suspira.- Quero estar lá se o pior tiver que acontecer.

- Eu entendo você.- Coloco minha mão sob a sua.- Eu vou sentir muito a sua falta mas é a sua mãe, é a sua família.

- Obrigado, Mel. Eu não queria voltar nem tão cedo. Muitas histórias do passado mal resolvidas, mas chegou a hora de enfrentar.- Rodrigo nunca me contou nada sobre o seu passado e eu não insisto nisso.

- Você precisa mesmo resolver. Tem que se livrar de todo esse peso que você carrega há anos. Só não pode esquecer de mim.

- Nunca, meu anjo.

- E quando você vai?

- Daqui a uns dois dias. Mas vou voltar quando o filho do Enzo nascer, quero estar aqui. Ele me chamou pra ser padrinho, não é legal?

- É sim.- Fico chateada por ainda não ter recebido o convite de ser madrinha, mas sei que é porque faz um tempo que não vejo Enzo.

A comida chega e o clima volta a ficar leve.

- Nossa!- Ele exclama, parece pensar a mesma coisa que eu.- Isso aqui está divino. Eu nunca comi algo tão saboroso.

- Realmente. E olha que frequento muitos restaurantes mas isso aqui está maravilhoso. O cordeiro está tão macio e suculento, acho que vou pedir mais para viagem.

Rodrigo ri de mim.

- Como sempre querendo comer por dois. O que acha de chamarmos o chef aqui? Ele merece receber nossos elogios.

- Você acha uma boa ideia?

- Claro!

Rodrigo acena para um garçom e quando o mesmo se aproxima ele manda chamar o chef. Confesso que estava curiosa mas assim que ele apareceu no meu campo de visão eu me arrependi amargamente.

Ali estava ele. O homem que há sete anos ocupa meus pensamentos. O homem que me magoou e me destruiu em pedacinhos.

Lucas estava parado bem na minha frente. Desde o fatídico dia eu não o tinha visto, mesmo morando na mesma cidade, e parece que o destino resolveu brincar comigo. Ele estava exatamente igual, apenas um pouco mais forte que eu me lembrava. Mas o seu perfume era o mesmo, e quando eu o vi com o avental e aquele chapéu de cozinheiro uma lembrança em especial veio à tona.

Nossa primeira vez.

Quando ele me levou até seu apartamento e cozinhou pra mim. Nos divertimos tanto aquele dia e eu nunca me senti tão feliz e confortável ao lado de um desconhecido. Ele despertou em mim sensações que eu jamais imaginei existir. E eu achei que não sentia mais nada além de mera saudades mas olhando para seus olhos verdes eu percebo que não. Eu ainda o amo, e é como se não tivesse acontecido nada.

"Você não é mais a mesma, Mel. Você é forte, bem mais do que pensa"

A voz do meu irmão ecoou pela minha cabeça quando penso estar abalada com sua presença.

- Queremos te parabenizar pela comida maravilhosa.- Saímos do transe com Rodrigo falando mas demorou alguns segundos para isso.- Nunca comemos algo de tamanha qualidade, não é Mel?

Contei a Rodrigo por alto tudo o que aconteceu mas não citei nomes.

- Sim.- Me forço a responder.-Estava realmente maravilhoso.

Nos olhamos mais uma vez. Eu não me cansaria de olha-lo.

- Obrigado. Fiquem à vontade, é por conta da casa. Farei uma sobremesa especial para o casal.

Sinto o ênfase na última palavra mas não me dou ao trabalho de corrigir. Parece que ouvir sua voz me trouxe lembranças indesejadas.

E logo depois ele trouxe torta de limão. Parece que ele também teve a mesma lembrança que eu mas eu não me abalei. Eu não iria abaixar minha cabeça novamente. Eu tenho 28 anos, sou presidente de uma empresa, linda e forte. Não era mais aquela menininha de 7 anos atrás.

- Bom, estava tudo maravilhoso mas é melhor nós irmos agora.- Digo.

Lucas ainda estava aqui. Ele queria saber nossa opinião sobre a sobremesa, embora eu saiba que seja apenas uma desculpa.

- Ainda quer ir a boate?- Rodrigo pergunta. Eu não queria, mas não perderia a oportunidade de provocar.

- Claro. Vamos?

- Vamos. Estava tudo maravilhoso, chef. Nós voltaremos mais vezes, não é doce?

Ele sempre me chama por esses apelidos carinhosos. A cara de Lucas era a melhor. Ele parecia estar magoado e com raiva ao mesmo tempo.

- Sim, com certeza. Até uma próxima oportunidade.

Demos mais uma troca de olhares e quando saí do restaurante pude respirar aliviada. Será que sete anos não foram suficientes para eu esquecer esse homem?