UM

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Um vento gélido atravessa o meu corpo e me faz sentir um leve arrepio. Só então percebo que a janela do meu quarto está aberta e corro para fecha-la, mas a visão de um céu estrelado me detêm e me permito ficar ali por alguns minutos observando o brilho das estrelas diminuírem e aos poucos se apagando. O céu também muda de cor e assume um tom azul claro, consigo até ver uns  poucos raios de sol anunciando a chegada de um novo dia. Mas ainda assim é muito cedo e Cancordion está em completo silêncio. Nem parece o Reino caótico e barulhento ao qual estou acostumada, por isso, abro um pouco mais a janela e respiro profundamente o ar fresco da manhã deixando meus pensamentos se perderem no silêncio.

As batidas na porta são o que me trazem de volta a realidade. 

- Julie, já está pronta querida?

- Ainda não mãe!

-Se arrume logo, já vamos sair!

-Okay- respondo entediada.

Sempre detestei ter que participar do Daile!

Uma vez por semana esse evento acontece em Cancordion, assim como em todos os outros reinos que abrem as portas para os seus visitantes. E é uma ótima forma de ganhar dinheiro, por isso minha mãe borda coisas magníficas para vender e meu pai vende frutas e verduras para garantir a renda da nossa família e pagar os altos impostos que a corte cobra de todos os habitantes.

Minha mãe me leva pra ajudar nas vendas, pois ela diz que a minha beleza chama a atenção de todos que passam e que se não fosse por mim, ninguém iria comprar os seus bordados.

Espero que a minha beleza possa realmente nos ajudar de verdade algum dia!

Meu pai já está nos esperando na Central com a barraca pronta, por isso minha mãe e eu andamos depressa subindo a grande ladeira.

O reino é dividido por classes, a  Alta é onde está o Palácio e onde os nobres moram em grandiosíssimas casas com suas famílias, a Média é onde moram os que ocupam um bom cargo no Palácio ou comerciantes bem sucedidos e a Baixa somos nós os meros habitantes comuns sem luxos ou riquezas.

Isso me incomoda intensamente, por morar na Baixa não tenho nenhum privilégio, mas tenho bastante restrições: não posso frequentar as melhores escolas pois elas são destinadas apenas as Altas e Médios e o casamento entre classes diferentes também não é permitido.

Nós da Baixa não temos nada, nem os melhores empregos, nem esperança e nem a possibilidade de sonhar com um futuro melhor. Temos que nos contentar em ser como somos e ter o que temos.

- Ali está seu pai!- minha mãe indica e vamos para a barraca.

Observo a rua- a Central é o começo do bairro dos Médios, fica de frente aos portões e por isso é destinado aos vendedores- que mais tarde ficará lotada de visitantes que vieram ver suas famílias ou apenas visitar o reino. Mas agora não há nada além de um monte de barracas e pessoas- homens e mulheres vestindo roupas de criados - que certamente trabalham para as famílias daqui ou no Palácio.

Não demora muito até que os portões finalmente se abrem e as pessoas começam a encher as ruas.

Logo, vários rapazes lotam a nossa barraca.

Pelo que vejo minha mãe tem razão, pois eles enrolam escolhendo as frutas, verduras, alguns até arriscam comprar bordados na esperança de poder conversar comigo. Parecem estar enfeitiçados, basta apenas que eu lance um olhar em sua direção, para que um pequeno sorriso brote em suas faces.

Alguns mais ousados me jogam galanteios, não me sinto nem um pouco incomodada com a situação por isso sorrio alegremente fazendo-os corar.

Todos estão bem vestidos e com os cabelos perfeitamente arrumados, acho que qualquer outra menina em meu lugar cederia às investidas. Mas eu sei que eles procuram apenas por  diversão, então me mantenho firme em minha recusa.

Em Busca da CoroaOnde histórias criam vida. Descubra agora