DOIS

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Os próximos dias se passam sem mais novidades, o que me dá tempo suficiente para pensar na proposta do rei que ainda ecoa em minha cabeça.

"Nem mesmo para ajudar sua familia?"

Essa frase tem me atormentado até em meus sonhos, mas eu sei que a coisa certa a se fazer é não aceitar, é muito arriscado. E também é extremamente estranho. Como um rei coincidentemente me encontra vendendo verduras em uma feira e logo supõe que estou apta para ser sua informante? Não acho que ele seria tão tolo para se arriscar tanto assim. Há algo de muito errado nisto tudo, e essa é só outra razão pela qual não aceitarei a proposta.

Já é hora do jantar, saio do meu quarto e vou direto para a cozinha, mas quando chego lá, me deparo com uma cena que eu não esperava.

Meus pais estão sentados em volta da pequena mesa redonda de madeira, como de costume, mas o que me deixa sufocada de receio, são os olhares desolados e aflitos que eles me lançam ao me verem atravessar a porta.
 
 - O que aconteceu?- pergunto baixo, com medo da resposta, enquanto cautelosamente me aproximo de uma cadeira vazia.

Meu pai vagarosamente aponta o jornal à sua frente, e eu o pego tentando entender a situação. Na capa tem uma foto do rei sentado no trono e ao lado dele está a rainha, ambos sorridentes, e do outro lado do rei está um jovem usando uma coroa, o príncipe, ele também sorri, todos tem um ar de superioridade e poder, e em cima está uma manchete com letras exageradamente grandes:
"O REI E A RAINHA DE CANCORDION ASSINAM NOVAS MEDIDAS QUE IRÃO BENEFICIAR TODO O REINO" e em baixo, em letras menores mas ainda assim claras, está escrito: "A partir de hoje os impostos pagos a corte terão um acréscimo, totalizando assim o dobro do que é pago atualmente. Quem desacatar as novas medidas ou não pagar o devido valor será inevitavelmente preso..."

Eu não preciso ler mais nada, agora entendo porque meus pais estão assim, é impossível conseguir o dinheiro para pagar os novos impostos. Isso consumiria basicamente a nossa renda mensal inteira. Eu não consigo entender, como o rei e a rainha são capazes de algo assim?

A resposta é clara, eles não nos enxergam, nós moramos na Baixa, ninguém nos enxerga. Não somos dignos da preocupação alheia.

Lentamente aperto as bordas do jornal em minhas mãos, tentando conter a raiva crescente em meu peito enquanto fito o vazio.

Não consigo pensar e o meu pai não quer me encarar, não quer conversar, ele sabe o que vai acontecer com nós todos, nós vamos ser presos, não temos como fugir! Provavelmente todos os outros reinos já aderiram as Novas Medidas, não há escapatória.

- Pai, deve haver alguma maneira- começo a falar mas me detenho, sei que não há solução.

- Eu sei Julie, vamos conseguir dar um jeito- ele fala tentando me animar, mas de nada adianta.

Jantamos em silêncio, não há o que ser dito, não há palavras para essa situação. Minha mãe me observa com o semblante triste, mas eu desvio o olhar e finjo não notar, tenho que ser forte por eles.

Após diversas garfadas meu estômago se embrulha e eu não consigo mais empurrar a comida para dentro, parece que o nó que antes estava em minha garganta passou diretamente para o estômago. Tamanho o meu nervosismo.

Rapidamente me levanto, peço licença e me retiro cabisbaixa para o quarto. Ao chegar lá, simplesmente me jogo na cama, com um peso estranho em meu coração.

Eu tenho que pensar em uma solução, deve haver alguma, tem que ter...

"Tenho uma proposta para você... Uma proposta muito boa... E eu sinto que você é a pessoa certa pra isso... Seus pais poderão morar no meu reino onde nada lhes faltará..."

Em um impulso, sento na cama com a respiração desregulada.

É isso, a proposta!

Antes me parecia loucura mas agora me parece a solução, pelo menos tenho duas escolhas: ou aceito ou meus pais e eu seremos presos.

Não posso deixar que isso aconteça, então, irei engolir todos os meus receios e me arriscarei.

Aceito.

Em Busca da CoroaOnde histórias criam vida. Descubra agora