PRÓLOGO

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Favela da Rocinha, Rio de Janeiro, Brasil.

Cansado de sua mulher, oprimido por seu trabalho, sufocado por sua vida. Qualquer uma dessas definições poderia refletir a vida de David até aquela noite. Filho de trabalhadores, era um homem comum no local em que nascera. Abandonara os estudos cedo para trabalhar e ganhar a vida, casando-se com sua primeira e única esposa aos dezenove. Apenas um ano depois veio o primeiro dos três filhos.

Após vinte anos de casamento, sua vida havia se resumido a afazeres, obrigações domésticas e uma imensa ginástica financeira para conseguir sobreviver. O único prazer que lhe restava na vida era o bar Esquina, estabelecimento em frente à loja na qual trabalhava e para onde, religiosamente, se dirigia todas as sextas-feiras, após o expediente. E ali se deixava ficar, embriagado, até que alguém lhe carregasse para casa.

Aquela sexta-feira, no entanto - como David não pode deixar de notar - estava estranha. O bar, geralmente lotado, estava vazio. Ele e mais uma meia dúzia de homens de meia idade eram toda a clientela presente. Pelas paredes mal rebocadas, ecoavam vozes nítidas e histórias completamente discerníveis, ao contrário do burburinho confuso que costumava tomar o local.

Estava sozinho, como de praxe. Um copo cheio era tudo que o preocupava naquele momento - a solidão não incomodava. Achava nela uma companheira amigável depois de tantos anos procurando companhia. "Estranho", pensava ele, "que no fim seja esta a única companheira possível e tolerável".

Vez ou outra, David distraía-se com uma conversa. Geralmente era na mesa ao lado, onde era possível discernir uma palavra da outra. Divertia-lhe completamente a ideia de conhecer a vida alheia sem que soubessem.

Mas David não esperava o que estava a caminho naquela noite. E não tinha noção de que tudo começaria na mesa vizinha. Já não estava mais em sua perfeita sobriedade quando resolveu se ater à conversa ao lado, numa das poucas mesas com mais de uma pessoa, onde dois velhos amigos, os cabelos brancos e o rosto já tomado pelas rugas, amedrontados, confessavam seu temores.

- Me diga, o que acha dos boatos que têm contado por aí? - Perguntou o mais velho.

O outro, durante um tempo, fez um silêncio reflexivo, alisando a barba grisalha, até que respondeu:

-Bem, sabe como é. Contam lendas desde que a gente era criança ...

- Eu também pensei nisso. Mas não sei ... me parece diferente agora.

- Diferente como? - Perguntou o mais jovem, interessado.

- Não acha esquisito? Três homens encontrados mortos, do mesmo jeito, eletrocutados! E as testemunhas sempre falando que morreram de forma inexplicável, por culpa de dois homens estranhos ...

- Lendas! - Retrucou o outro imediatamente - O povo fala demais. Gosta de aumentar o que vê!

- É ... talvez. Mas dizem que eles estão sendo vistos por aqui, todas as noites ...

A história estava interessante. Como ele não soubera desses acontecimentos? Estava, definitivamente, se tornando muito isolado - só então conseguia perceber. Resolveu continuar escutando.

- O que não quer dizer que sejam mais do que loucos usando uma fantasia. Qualquer um que queira chamar a atenção pode vestir uma capa preta, com um capuz estranho e sair por aí assustando no meio da noite.

David não conseguiu se conter. Dominado pelo ímpeto de satisfazer sua curiosidade, quando percebeu, já estava conversando com os vizinhos.

- Espere um pouco, que história é essa? Não ouvi falar sobre qualquer coisa assim ...

Os homens, a princípio assustados com a pergunta inesperada, acabaram respondendo David.

- Como assim? Não está sabendo dessa história das mortes, aqui na região?

David revirou os olhos, com cara de quem diz " Se eu soubesse estaria perguntando?". Os homens entenderam o recado, e continuaram.

- Bem ... começou há mais ou menos uma semana. Foi quando acharam o primeiro corpo. A morte aconteceu no meio da rua, estava quase amanhecendo. Já havia algumas pessoas na rua. Dizem que dois homens altos e encapuzados, com capas que chegavam ao chão, andavam pela rua, olhando casa por casa, como se buscassem algo. Às vezes trocavam comentários entre si. Andaram durante um bom tempo fazendo a mesma coisa. Em um momento, uma mulher curiosa resolveu chegar perto pra saber se podia ajudar. Foi tudo o que fez. Perguntou se podia ajudar. E de repente, um clarão azul entre ela e os encapuzados, e ela caiu morta.

"História ridícula", pensou David. "É disso que toda essa gente está com medo?"

- E as outras mortes? - Ele perguntou, em tom de escárnio.

- Dizem ter acontecido da mesma forma. Os detalhes são pouco diferentes.

- Sabe o que eu acho? Isso é história desse povo desocupado, que não tem mais o que fazer.

- É o que eu penso! - Disse o velho de barba grisalha.

- Não sei - disse, por fim, o mais velho dentre eles - Não sou de acreditar nessas histórias que o povo conta, mas há detalhes muito estranhos nessa. Três assassinatos descritos da mesma forma e a polícia não sabe explicar os mesmos detalhes. Me parece muita coincidência.

David riu. Aquilo não era o suficiente para se acreditar em uma morte sobrenatural.

- Pois não se preocupe! - Debochou David - Se eles aparecerem em minha frente, hoje, te provo que esses estranhos não fazem mal nem a uma mosca.

Não haviam se passado dois segundos quando, inesperadamente, pela porta do bar, dois homens apareceram. Eram encapuzados de tal forma que pouco se via de seus rostos, e usavam uma capa preta que lhes envolvia todo o corpo, sem deixar nem mesmo os pés à mostra. Subiram lentamente os poucos degraus que davam acesso ao ambiente e pararam à porta, observando cada detalhe, do teto ao chão. O silêncio tomou o bar - ouvia-se apenas a respiração acelerada das criaturas, que pareciam farejar algo.

David achou os homens mais risíveis do que na descrição. Pareciam ter saído de alguma história em quadrinhos. Não conseguiu conter uma imensa gargalhada, que ecoou pelo ambiente e chamou a atenção dos inusitados invasores.

- Não posso acreditar! Falávamos de vocês agora!

Ele se levantou e, cambaleando, quase caindo entre um passo e outro, foi se aproximando dos encapuzados.

- Sabem, sou um homem de palavra. Acabei de prometer aos meus amigos ali que se eu visse vocês, provaria pra eles que vocês são boa gente e não matam ninguém! - Zombava, cada vez mais próximo - Então, aqui estou eu, chegando perto dos dois esquisitos. Viram pessoal? Ainda estou vivo! - Disse, se dirigindo ao resto do bar, que de tão tenso nem piscava.

David continuou se aproximando, fazendo caretas debochadas. Estava a menos de um metro deles, quando parou. Com um sorriso no rosto, destilou seu veneno.

- Ora, vejam só! Como eu acreditava, vocês não são de nada!

Sem aviso, um clarão azul estourou entre os dois homens e David. Quando a claridade cessou, o corpo inerte do bêbado estava estirado a metros de distância, depois de proferir sua última zombaria.

Os encapuzados viraram-se um para o outro.

- Não está aqui. Mas está cada vez mais perto. Eu sinto.

Viraram-se em direção à saída e, sem maiores explicações, se foram.

Todas as Estrelas Cairão do CéuOnde histórias criam vida. Descubra agora