Rebecca aproveitou o baixo movimento da noite para se esconder. Precisava de alguns minutos a sós, para poder respirar. Acabou no banheiro dos empregados. "Belo local para respirar", pensou. Ligou a luz e fechou a porta, apoiando-se na pia manchada. O rosto rechonchudo refletido no espelho chamou sua atenção.
- Santo Deus ... eu preciso criar vergonha na cara e fazer um regime. – Murmurou.
Rebecca era o que o mundo se acostumara a chamar de plus size. Obviamente, era muito mais respeitoso do que ser chamada de balofa, balão, pote, barril, ou muitos outros nomes que ela cresceu ouvindo. Contudo, provavelmente por ter crescido tão acostumada com a sinceridade cruel dos que a cercavam, não se acostumava com o tal plus size. Parecia irônico quando saía da boca de alguém ao seu redor.
O colar no pescoço desviou sua atenção. Não sabia o que sentir em relação àquilo - era uma grande interrogação a qualquer racionalidade. Parecia tê-la encarado por toda a noite, como um predador observando sua presa. Fez um exame mental, listando cada bijuteria que possuía – ela poderia ter colocado antes de sair de casa e não se lembrar.
Era bem improvável. Uma coisa era levantar no meio da noite, assaltar a geladeira e acordar sem memória e sem café da manhã, achando que os ratos tinham comido tudo. Outra era achar uma joia verdadeira na sua coleção de imitações baratas da Tiffany, colocar sem perceber e correr para pegar o metrô.
Podia estar ficando louca. Era uma opção que devia considerar. Lembrava-se de uma das irmãs do orfanato que tinha enlouquecido. Já estava bem velha, na época. Ninguém gostava muito dela, porque sempre fez questão de ser mal educada – era a razão por que as crianças pregavam-lhe tantas peças.
Um dia ela simplesmente não aguentou. Pendurou o hábito na cabeça e começou a correr pelada pelo orfanato, como se estivesse numa maratona. Foi engraçado no começou, mas depois ficou assustador. As irmãs tiveram que reunir todos no dia seguinte, explicando que deveriam orar pela Irmã Julia porque ela havia sido tentada pelo demônio, mas agora estava em segurança na casa de Jesus, onde se recuperava.
Loucura, entretanto, não fazia sentido. Qual louco respeitável questiona a própria sanidade¿ Além do quê, Jay havia dito exatamente a mesma coisa sobre o colar, no sonho e quando a viu, no começo daquela noite: "O colar ficou lindo, em você. Combinou com seus olhos".
Parando para pensar, até que não seria totalmente ruim se aquilo tivesse acontecido. Ela e Jay estavam bem próximos no sonho.
É claro, aí estava outra razão pela qual aquilo não fazia sentido.
Respirou fundo e tentou parar seus pensamentos. Precisava se acalmar. Consultou o relógio: já estava trancada no banheiro por vinte minutos. Se ficasse ali por mais tempo, chamariam sua atenção. Olhou para o colar, novamente. Não conseguiria se concentrar no trabalho, se aquela distração continuasse.
Tomou a atitude mais radical em que conseguiu pensar. Precisava se livrar dele. Retirou o colar do pescoço e, hesitante, atirou-o no lixo.
***
A escapada de Rebecca ao banheiro custou-lhe uma imensa pilha de louças, que deveria lavar em tempo recorde. Ninguém questionou sua ausência. Pareciam encará-la com um olhar de "Tá ok. Todo mundo tem direito a uma dor de barriga, na vida", que ela não quis desmentir. Só ficaria mais constrangedor, como se ela realmente estivesse com dor de barriga, mas estivesse com vergonha de assumir.
Jay se aproximou quando percebeu que ela havia terminado seu serviço, trazendo mais louças. Era a segunda vez naquela semana, e estava começando a ficar estranho.
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Todas as Estrelas Cairão do Céu
Ciencia Ficción"Aquele era, sem dúvida, o sujeito mais esquisito que havia visto até então. Era sinistro, na verdade. Vestia-se com uma imensa capa, que o cobria até os pés. Seu corpo não parecia sólido - era feito de um gás preto, que de alguma forma permanecia d...