A escola estava vazia e às escuras. Não parecia haver uma alma viva em meio à penumbra – o que tornava o lugar surpreendentemente sinistro. Súbito, uma sensação de angústia tomou-lhe. Era a primeira vez que a escola parecia um lugar sem vida.
Outro trovão explodiu fora do prédio, assustando-o a tal ponto que ele deu um pulo. Se havia algo que odiava mais do que um dia chuvoso era um dia chuvoso com trovões. Dois trovões em menos de vinte minutos não parecia um bom presságio – aquele dia, aliás, estava começando a ficar meio assustador.
Não queria ir embora. Embora não tivesse alunos a ensinar, parecia errado deixar a escola – por mais insensato que fosse, se sentiria um traidor. Resolveu ficar e tocar seu violino, para tentar espantar a aparência de morte que inundava o local. Antes que chegasse a sua sala, contudo, começou a ouvir um piano sendo dedilhado, sem formar qualquer tipo de melodia distinguível.
Deu meia volta e seguiu o som. Chegou a uma sala no fim do prédio, que não era usada havia anos. O lugar era um verdadeiro caos: além da sujeira, um amontoado das mais variadas coisas dividia espaço com instrumentos quebrados.
- Olá – Eric chamou a atenção do intruso.
Reconheceu-o assim que viu seu rosto: tratava-se de Miguel. Era uma criança menor do que o normal, para sua idade, o que o fazia parecer minúsculo diante do instrumento. O garoto não frequentava a escola.
- Miguel! O que você está fazendo aqui¿
O garoto olhou para baixo, em silêncio. Tinha um olhar vazio e um aspecto desnorteado. Não respondeu a pergunta.
- Aconteceu alguma coisa¿ - Eric insistiu.
Ele relutou, por alguns segundos, mas acabou assentindo, com um aceno.
- Me conte o que foi.
A criança suspirou, tentando conter as lágrimas.
- É meu pai.
Eric franziu o cenho. David nunca fora nenhum santo, mas sempre fora um bom pai.
- O que tem ele¿
Miguel não conseguiu conter as lágrimas.
- Mataram ele. Ontem à noite.
O outro arregalou os olhos. Não tinha ouvido nada sobre aquilo. Não que fosse alguma surpresa – ele dificilmente se engajava em qualquer tipo de fofoca.
- Quem fez isso¿
O garoto deu de ombros.
- Eu não tava lá. Foi no Esquina. Quem viu disse que foi horripilante.
- Eles reconheceram o assassino¿
Miguel assentiu.
- Dizem que foram dois encapuzados. Ninguém tinha dúvida.
Eric se sentou num banco empoeirado, tentando absorver a notícia. Era difícil imaginar um homem como David morto. Mas não era o pior. Daquela vez, aparentemente, muitas testemunhas tinham visto os encapuzados. Apesar das palavras de Miguel, ele ainda estava relutante.
- Desculpe insistir nisso, mas o que disseram sobre essas criaturas¿ Como mataram seu pai¿
A criança mirou uma das paredes, durante algum tempo. Lágrimas desciam por seu rosto, silenciosamente.
- Disseram que já estava bêbado quando eles apareceram, e que eles eram como todo mundo tem descrito: cobertos por uma capa e com olhos vermelhos. Contaram que meu pai provocou os dois, até que um deles atirou o raio azul.
O coração de Eric pesou - Miguel estava num luto profundo. Era o caçula da família e todos que o conheciam sabiam como era próximo ao pai. Nenhuma criança merecia passar por aquilo.
O jovem sentia-se incerto. Até aquele momento, a ideia de seres sobrenaturais cometendo assassinatos pela favela não parecia mais que lenda urbana. Mas conhecia as pessoas que geralmente frequentavam aquele bar. Poderiam até estar bêbados, mas não estavam insanos.
Além do que, por qual outra razão todos eles diriam a mesma coisa sobre os assassinos, se não fosse verdade¿ Talvez os boatos não fossem uma lenda, afinal. Eric arrepiava só de pensar naquela possibilidade.
- Você não acha que é melhor ir para casa, Miguel¿ Sua mãe deve estar preocupada.
A criança fez que não, com a cabeça. Se ele sabia o mínimo sobre crianças, Miguel não iria a lugar nenhum. Talvez estivesse precisando de algo que lhe acalmasse a alma, naquele momento. Teve uma ideia que poderia ajudar.
- Quer que eu toque um pouco de música¿
O garoto encarou Eric, desconfiado. Parecia uma ideia inusitada, mas ele acabou concordando. Estendeu a mão para a criança, que desceu do assento em frente ao piano num salto, e, juntos, foram até a sala em que Eric geralmente ministrava suas aulas.
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Todas as Estrelas Cairão do Céu
Science Fiction"Aquele era, sem dúvida, o sujeito mais esquisito que havia visto até então. Era sinistro, na verdade. Vestia-se com uma imensa capa, que o cobria até os pés. Seu corpo não parecia sólido - era feito de um gás preto, que de alguma forma permanecia d...