Esp-Cor.
O mar estava estranhamente calmo, naquela tarde. Warna-San encarava a imensidão azul com o pensamento longe dali. As águas tinham este efeito sobre ela. Perdia-se na infinitude do mar e acabava na infinitude de seus próprios pensamentos. Ou, ainda mais comum, na infinitude de suas ambições.
Já não era uma mulher jovem, embora sua alma ainda o fosse. Warna-San havia crescido e vivido durante todos esses anos na pequena ilha de onde sempre observava o mar, aos fins de tarde. Não conhecera nada do mundo, além da areia fina e do casebre em que moravam.
Em seu coração, contudo, habitava desde criança a certeza de que desbravaria Esp-Cor, e o que mais houvesse lá fora. Sua mãe – que vivera na Capital, antes de se mudar para a ilha – costumava lhe contar histórias sobre diferentes galáxias e formas de vida. Ela própria não nascera em Esp-Cor. Vivera sua juventude numa das luas de um distante planeta.
Quando a guerra chegara – Warna-San nunca entendera o que havia acontecido nessa tal guerra, e desconfiava que mesmo sua mãe muito pouco soubesse sobre as razões de tanta destruição – ela fugiu dali com levas de pessoas buscando alguma paz e estabilidade para recomeçarem suas vidas.
Acabou em Esp-Cor, um curioso planetoide coberto em sua maior parte por mares revoltos onde, em tempos remotos, uma civilização de intelectuais, reis e artistas havia concretizado uma das sociedades mais invejadas de todo aquele universo. Tempos, verdade seja dita, que haviam ficado para trás.
Com o passar dos anos, a guerra avançou pelo universo, sob o comando de uma terrível tirana, que ameaçava destruir todo o existente e instalar um reino de caos e crueldade. Warna-San ainda era criança – não aprendera sequer a falar, àquela altura. Já na Capital, sua avó fora tomada de medo profundo, assolada pelas lembranças da infância. Se houvesse escolha, teria abandonado Esp-Cor em busca de um planeta menos exposto aos terrores da guerra.
Não havia, contudo, para onde fugir. Reuniu o pouco que tinham e mudou-se para a ilha, que era visitada apenas pelos mercadores das áreas vizinhas. De tempos em tempos passavam pela região, para vender suprimentos às famílias ilhotas.
Seus pensamentos estavam desesperados, naquela tarde. Vagavam pela insegurança de um futuro que se aproximava, a passos largos. A saúde de sua mãe, havia anos, se tornara vulnerável. A situação piorava gradualmente. Primeiro perdeu a visão, depois perdeu as forças para andar e, agora, dava seus últimos suspiros.
Não conseguia imaginar um mundo em que ela não existisse. Havia sido, desde criança, tudo o que tivera. Sua proteção contra qualquer perigo, sua fonte se sabedoria, sua conselheira, seu modelo de perfeição. Uma parte dela morreria com sua mãe, deixando-a pela metade.
Por mais doloroso que fosse, era um processo pelo qual teria de passar. Ela não teria muitas horas de vida. Warna estava decidida a ir embora da ilha, quando tudo acontecesse. Ainda que os rumores pintassem uma Capital perigosa, não tinha porque ficar.
Escutou, vindo da cabana, o barulho de um acesso de tosse, anunciando a proximidade do fim. Warna levantou-se, assustada, e correu em socorro de sua mãe. Não durou muito. Serviu-a de um copo d'água, após o qual a velha reuniu toda sua força para pronunciar as últimas palavras.
- Warna-San ... – A mãe chamou, rouca.
- Diga, mãe!
Lágrimas começaram a descer pelo rosto da filha. Ela sabia que estavam tendo sua última conversa. A mãe começou a passar as mãos por seu rosto, tentando capturar sua feição, há muito perdida pelos olhos.
- Ainda me lembro de quando você era pequena ... sempre foi uma criança tão esperta.
Warna-San sorriu.
- Sua curiosidade era sua melhor característica ... sempre tinha uma pergunta na ponta da língua ... sempre queria saber mais ... sinto muito ter prendido você ao meu lado por tanto tempo, minha querida. Ter te isolado do mundo, por toda a sua vida. Tudo que eu sempre quis foi sua segurança ...
- Não há pelo que se desculpar, mãe!
A velha senhora suspirou.
- Talvez, não ... mas chegou a hora de você achar seu caminho, minha filha. Chegou a hora de correr atrás dos desejos do seu coração, e ganhar o mundo ... você sabe que não deve ficar aqui!
- Não é hora de falar disso!
- É a única hora, Warna-San – a mãe sorriu – em pouco já não estarei mais aqui.
Warna-San começou a chorar, copiosamente.
- Eu irei ... é uma promessa.
Sua mãe parecia aliviada ao ouvir as palavras. Teve outro acesso de tosse, ainda mais demorado que o outro. Quando finalmente passou, procurou recuperar o fôlego, reunindo forças para suas últimas instruções.
- Você deve ir para a Capital ... e solicitar uma audiência com o rei ... tudo o que precisa fazer é dizer quem você é ...
Lutou para voltar a falar, mas já não tinha mais forças. Fechou os olhos, como quem se rende à morte e, em poucos segundos, o restante de vida se esvaiu.
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Todas as Estrelas Cairão do Céu
Science Fiction"Aquele era, sem dúvida, o sujeito mais esquisito que havia visto até então. Era sinistro, na verdade. Vestia-se com uma imensa capa, que o cobria até os pés. Seu corpo não parecia sólido - era feito de um gás preto, que de alguma forma permanecia d...