DOZE

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Se houvesse reservado alguns segundos para ouvir sua intuição, Rebecca teria evitado todo o mal estar do fim de noite. Àquela altura, em um táxi que passara quando deixava o restaurante, sentia-se mais feia que o patinho feio, mais excluída que a ovelha negra.

Provavelmente chegaria em casa e se entupiria de açúcar. Se álcool funcionava para a maioria das pessoas, para ela não havia melhor solução que imensas quantidades de chocolate – que sempre acreditou ser a maior manifestação da existência de Deus.

Por que não ouvira sua intuição¿ Era sempre a mesma coisa. Aquela vozinha no fundo de sua mente tentando lhe dizer a verdade, e ela, inebriada por algo aparentemente incrível, se recusava a ouvir. O resultado era invariável: levava uma rasteira da vida e caía de cara no chão.

É óbvio, a paixão torna as pessoas estúpidas. Já tinha visto muita gente apaixonada fazendo coisas estranhas. O seu nível de idiotice, no entanto, batia recordes. Como acreditara que aquela noite tinha alguma chance de dar certo¿ Estava saindo com a pessoa de quem gostava para um lugar em que haveriam centenas de mulheres interessadas nele.

As meninas malvadas da mesa vizinha tinham sido o efeito colateral menos danoso, quando se pensava em todas as perspectivas!

- Mas eu acho é pouco! – Ela murmurava consigo, chamando a atenção do motorista – Todo castigo pra uma pateta é pouco!

O motorista franziu o cenho. Parecia preocupado.

- Tá tudo bem, moça¿

Rebecca estava tão introspecta que só então se deu conta da presença do condutor.

- Tá sim, senhor – respondeu, envergonhada – Não se preocupe.

Era a segunda vergonha que passava naquela noite. Já era o suficiente. Resolveu se acomodar no banco e fechar os olhos. Ainda faltava alguns minutos para chegar em casa - relaxar não seria uma má ideia. Se deu conta do cansaço que acumulara ao longo do dia naquele momento, quando fechou os olhos e deixou a sonolência dominar-lhe.

***

Rebecca estava sentada na sala da diretora. O conforto do couro gasto lhe trazia uma sensação que, acreditava, era o que se chama de lar. O lugar cheirava a mofo, como se lembrava, e o ar era infestado pela poeira que os livros acumulavam. Irmã Agnes – a diretora – construíra ali uma pequena biblioteca, para que as crianças pudessem ter a melhor educação que as condições permitissem.

O ambiente estava vazio. Olhou pela janela. O sol já havia sumido, e apenas alguns rastros de luz resistiam. Percebeu que parte dela sentia, de fato, saudades de San Francisco. Lembranças de sua infância tomaram seus pensamentos, fazendo com que perdesse a noção do tempo.

Sua divagação foi interrompida depois de alguns minutos, quando a porta da sala se abriu. Era irmã Agnes.

- Por aqui, senhora – indicava o caminho para a mulher que vinha com ela – Sente-se ali na cadeira.

Rebecca voltou os olhos para as duas. Irmã Agnes estava bem mais jovem do que se lembrava. Não devia ter mais que cinquenta anos. A convidada entrou com passos tímidos, carregando uma grande cesta, numa de suas mãos. Rebecca sabia quem era. Haviam se conhecido em seu sonho, ao fim da tarde.

Acomodaram-se na mesa da diretora e retomaram a conversa.

- Eu me esqueci seu nome ...

- É Ynadrá. Não é muito comum.

- De fato, não é. É indígena¿

- Para dizer a verdade, eu não sei.

Todas as Estrelas Cairão do CéuOnde histórias criam vida. Descubra agora