SESSENTA E TRÊS

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Por um momento, o frio de Boston cruzou a mente de Rebecca. A neve obstruindo a entrada de casa, as (muitas) xícaras de chocolate quente, as roupas em excesso que nunca pareciam deixá-la suficientemente aquecida. Lembrou-se do prazer de entrar no restaurante e sentir um calor tão acolhedor que fantasiava nunca mais deixar o lugar.

Foi interrompida quando uma nuvem de poeira fez seu nariz coçar e começou a espirrar descontroladamente.

- Maldito deserto! – Praguejou, quando conseguiu se recompor.

Jay, no banco do motorista, gargalhou. Não gostava do deserto, mas vinha se divertindo com a reação de Rebecca ao ambiente desde que haviam pegado a estrada. Estavam, àquela altura, longe de Tucson e, aparentemente, de qualquer outro lugar habitado. O pior, eles sabiam, ainda estava por vir.

No banco de trás, Edward permanecia em silêncio. Estava assim desde o dia anterior, quando Jay e Rebecca anunciaram que sairiam em busca da prisão, pela manhã. Era um silêncio de apreensão, sobretudo – algo que eles também tinham de sobra.

- Adivinha no que eu estava pensando¿ - Rebecca perguntou.

- Em como você odeia o deserto¿ - Retrucou Jay.

- Não, engraçadinho. Tava pensando em Boston.

- No que, especificamente¿

- No frio.

- Com um calor desses, até eu to sentindo saudade.

- Acho que eu sinto falta o tempo todo. Não dava pra perceber àquela altura, mas as coisas eram tão boas e calmas.

Jay sorriu.

- Eu diria que sinto muito pela mudança, mas não é minha culpa.

Ela sentiu-se culpada pelo que dissera.

- Eu sei! Não foi o que eu quis dizer. Você tem sido a melhor parte de toda essa bagunça ...

Foi interrompida pelo GPS que haviam comprado antes de deixar Tucson.

- Você chegou ao seu destino! – Exclamou o aparelho, com sua voz eletrônica.

Jay pisou no freio, bruscamente. O carro parou levantando poeira e fazendo barulho.

- Ótimo! Agora estamos no meio do nada.

Rebecca abriu o porta luvas e retirou o velho mapa de John Morrison, ainda dobrado. Levaram um bom tempo para se localizar.

- Como a gente continua¿ - Rebecca ficou preocupada – À pé¿

Jay deu de ombros.

- Acho que é a única forma.

- Mas as chances de a gente se perder são grandes, né¿

- Grandes tipo uns 99% - Jay respondeu.

No banco de trás, Edward continuava em silêncio. Não parecia afetado pela súbita reviravolta - tudo que ocupava sua mente eram lembranças de Katherine.

- Edward¿ - Rebecca chamou sua atenção.

- Sim! – Ele respondeu, parecendo despertar de um transe.

- O GPS não conseguiu levar a gente até o lugar certo. Nós vamos ter que seguir à pé, daqui em diante. Acho que é melhor você ficar.

O homem se ergueu, assustado.

- De forma nenhuma!

- Desculpa, mas o perigo é muito grande – Jay insistiu.

- Não me importa! Eu vou e não tem discussão!

Jay e Rebecca se entreolharam. Não parecia haver qualquer argumento capaz de manter o homem no carro.

- Que seja – Decidiu Jay – mas se alguma coisa te acontecer, a responsabilidade é sua.

***

Andaram de um lado para o outro sem resultado, por todo o dia. Sentiam-se queimados, depois de passar tantas horas sob o sol escaldante do deserto. Para completar, não sabiam onde estavam. A certa altura, deixaram de lado a procura pela prisão para tentar se localizar.

Para desespero dos três, a noite começava a se anunciar. Os primeiros contornos da lua já eram visíveis.

- Ótimo! – Rebecca exclamou, em meio ao desespero – Agora, além de perdidos e escaldados por esse sol maldito, nós também vamos virar presa de algum animal selvagem durante a noite.

Pararam. Jay aguentara as reclamações de Rebecca por todo o dia, estoicamente. Já estava se irritando. Edward, embora continuasse calado, às vezes dava sinais de desespero. Começava a acreditar que não sobreviveria para rever Katherine.

- Precisamos achar abrigo – ele afirmou.

- Concordo – Jay respondeu.

- Ei, se nós fossemos hobbits poderíamos nos espremer naquela caverna ali! Talvez tivéssemos que dividir com alguns morcegos, ou um puma , mas ...

- Pelo amor de Deus, dá pra calar¿ - Jay explodiu – Você reclamou o dia inteiro! No começo foi engraçadinho, mas agora já tá irritando!

Rebecca arregalou os olhos, surpresa - Jay nunca fora grosseiro com ela, até aquele momento. Ficou tão pasma que não conseguiu reagir. A noite avançava rapidamente, e precisavam tomar alguma decisão.

- Acho que tenho uma solução – Jay afirmou.

Andaram mais alguns metros, em busca de um lugar em que pudessem encontrar solo livre de vegetação. Acharam um espaço grande o suficiente. Fechou os olhos, com uma expressão de concentração. Um vento inesperado começou a soprar e logo se fortaleceu – o que não parecia, nem de longe, normal.

- Se afastem – Jay ordenou.

Edward e Rebecca hesitaram, mas acabaram tomando distância. Qual não foi sua surpresa ao observar algo no céu, se aproximando, primeiro como um ponto distante que, aos poucos, foi ganhando a forma de ... um carro¿

Surpreenderam-se com a engenhosidade da ideia. Quando o automóvel pousou, Jay tombou, cansado. A mulher o amparou e levou-o para o automóvel. Considerando-se o fato de que não sabiam onde estavam, trazer aquele carro até ali provavelmente fora bastante difícil. O cansaço de Jay era justificável.

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