CINQUENTA E SEIS

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Uma luz fraca iluminava a vastidão dos aposentos reais. Stagower desistira, havia muito, de conseguir uma boa noite de sono. An dava de um lado para o outro, como se ao fazê-lo pudesse queimar a ansiedade que tomava seu peito. Parecia inútil – quanto mais se movimentava, mais ansioso se sentia.

Não entendia a razão de seu estado de espírito. À exceção dos eventos em curso, afinal, nada de extraordinário havia acontecido. De qualquer forma, não era o tipo de ansiedade por algo que acontecera.

Stagower sentia-se, àquela altura, como alguém preso numa redoma. Como se estivessem berrando-lhe alguma coisa que não conseguia escutar. Seu coração batia cada vez mais rápido; uma sensação de sufocamento o fazia respirar mais fundo.

Sem aviso, algo se materializou atrás dele. Pulou de susto, se virando e deparando-se com Ervasqt. Sentiu os músculos relaxarem, ao desviar sua mente das preocupações que vinham inundado-a. O invasor gargalhou diante da reação de Stagower – havia planejado assustá-lo, afinal.

- Muito engraçado – resmungou Stagower.

- Desculpe. Não consegui resistir – respondeu o homem, com um sorriso no rosto.

Sentaram-se, a convite de Stagower, em poltronas próximas.

- Como tem passado desde nosso último encontro¿

- Com medo, pra dizer a verdade – Ervasqt assumiu um tom sério – Desde que concordei com essa ... aliança¿ Bem, desde que entramos em acordo, fiquei meio paranoico.

- Aconteceu alguma coisa¿ - o rei ficou preocupado.

- Não, mas tenho a impressão de que a qualquer momento vou ser descoberto. Acho que todo traidor se sente assim.

- Sinto muito que esteja nessa posição.

- Obrigado. Como você provavelmente suspeita, não vim aqui só pra te assustar.

Stagower sorriu. Gostava do lado jocoso de Ervasqt.

- Imagino que tenha começado a investigar – o rei afirmou.

- De fato, comecei. A princípio eu fiquei meio perdido. Não sabia por onde começar – provavelmente porque não sabia o que estava procurando. Mas depois de algum tempo acabei me dando conta de algo importante.

- O quê¿

- Appsang não me colocou naquela ilha como liderança suprema. Eu lidero os esfumaçados apenas em algumas questões, mas há outras que ela confia somente ao outro líder.

- Quem é ele¿

- Um esfumaçado. Um dos mais poderosos que eu conheço, para dizer a verdade. Consegue ser mais assustador do que aquelas criaturas são, em geral. Mas, voltando ao assunto, esse fato sempre me incomodou. Sempre senti que Appsang nunca confiou em mim. Ao menos não totalmente. Não foi preciso muita inteligência para descobrir que o escritório daquela aberração era o lugar perfeito para encontrar informação.

- Parece perigoso.

- Sim. Mas a essa altura eu já estava muito curioso para dar ouvido ao medo. Foi o suficiente para começar a observar cada passo da criatura, estudar sua rotina, de forma a descobrir o momento certo para invadir. E o momento apareceu, ontem.

- Você conseguiu alguma informação¿

Ervasqt assentiu.

- Não imaginava que o escritório fosse tão grande. Revirei todos os lugares em que imaginei haver algum papel importante. Já estava quase desistindo quando me dei conta de que ainda não havia revistado as gavetas da mesa de trabalho. A maioria dos documentos era inútil. Mas no fundo da primeira gaveta eu encontrei uma pasta cheia de papéis, mapas e desenhos muito estranhos.

- Desenhos¿

- Sim! Alguma língua que eu não conheço. Mas não foi a única que usaram. Aqueles papéis são uma mistura singular de algum tipo de projeto. O importante é que eu consegui ler alguns deles.

- O que diziam¿

- Eram aspectos técnicos da construção que você encontrou, na outra ilha. Eu descobri o que é aquilo.

Ervasqt tinha um brilho no olhar – como se estivesse orgulhoso do resultado de sua investigação.

- Trata-se de um espaçoporto. – Ele concluiu.

Stagower ergueu uma das sobrancelhas, espantado.

- Mas isso não faz sentido. Appsang está prestes a invadir este planeta e destruí-lo. Por que razão se importaria em construir algo aqui¿ E um espaçoporto¿ Esp-Cor é o limite dos mundos habitados desta galáxia! Qual o sentido de trazer alguma nave pra cá¿

- E não se esqueça das dimensões daquela monstruosidade – Ervasqt emendou – mesmo no papel é possível notar que a construção é monumental.

Stagower levou uma das mãos à cabeça, perdido. Quanto mais informações conseguia reunir, menos se sentia capaz de colocar a ameaça em perspectiva.

- Preciso ver esses documentos – Concluiu o rei.

Ervasqt assentiu.

- Eu concordo. Mas não tenho nenhum deles comigo. O esfumaçado voltou antes do que eu pensei e tive que sair dali às pressas.

- Quando podemos voltar¿

- Não tenho certeza, mas acredito que logo teremos outra oportunidade.

Stagower se levantou e foi em direção a uma cômoda. Abriu uma gaveta e começou a revirá-la até encontrar o que procurava. Voltou com um objeto em forma de disco, em sua mão.

- Este é um comunicador. É uma tecnologia antiga, que caiu em desuso. Quando você descobrir o momento de voltar, me informe através disso – entregou o objeto nas mãos de Ervasqt – É seguro utilizá-lo. Ninguém suspeitará que estamos nos comunicando por ele.

Stagower gastou algum tempo para ensinar a forma correta de utilizar aquilo. Depois disso, não havia mais sobre o que conversar.

- Bem, está na hora de voltar – afirmou o espião.

O rei concordou.

- Tome cuidado, Ervasqt. O esfumaçado provavelmente percebeu que seu escritório foi invadido. Se Appsang não confia em você, a essa altura você já é considerado um suspeito.

- Eu sei. Tomei medidas para cobrir meus passos.

- Melhor assim.

Ervasqt se foi, como havia chegado, e deixou para trás um Stagower estupefato.

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