Capítulo 03

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A sineta da escola tocou, e a sala foi tomada pelo burburinho animado de sempre. Todos guardavam o material às pressas, ansiosos em ir para a casa curtir o fim de semana.

Eu me despedi da Sra. Cleavehill, calmamente guardando minhas canetinhas no estojo e os desenhos na minha pasta. Aula de artes era a melhor matéria, especialmente os trabalhos individuais, em que eu podia mergulhar nos meus desenhos e sublimar conversas dos meus colegas humanos, que a cada dia eu compreendia menos.

Quando vesti a mochila nas costas eu olhei para a mesa vazia ao lado da minha, aborrecido. Outro dia na detenção. Maikon não precisava bater em todo mundo, só porque me chamavam de magrelo. Eu era mesmo. E também era o menino mais baixo da turma. Até com meu cabelo escorrido nos olhos os colegas implicavam, mas eu não ligava. Preferia mil vezes ter Maikon comigo durante as aulas.

Os primeiros colegas deixavam a sala, quando Maikon retornou. Pensei que ainda estaria deprimido pelo conflito dos pais na noite anterior, mas ele estava radiante. Ele avermelhou ao me ver e correu até mim.

"Hian, ainda bem que me esperou." Ele segurou minhas duas mãos e beijou meus dedos, fazendo a sala silenciar. "Vamos para a sua casa? Você prometeu."

Eu estremeci. Claro que não esqueci minha promessa, mas esperava que fosse Maikon a acabar esquecendo. Eu não queria confusão com meus pais, e a gravidez do papai Gabe era um segredo máximo da nossa espécie.

Além do mais, o espanto das outras crianças começava a me enervar. Maikon podia ser o cara mais popular da turma, mas grudando em mim daquele jeito ele só compraria mais brigas.

Eu soltei nossas mãos e dei um passo para trás, mexendo nervoso na gravata do uniforme.

"Escuta, Maikon... sobre ontem... talvez seja melhor você disfarçar." Eu me forcei a sorrir. "Não quero que tenha problemas por culpa minha."

Maikon olhou ao redor e percebeu as outras crianças cochichando e rindo de nós. Eu sempre fui a bichinha frágil, enquanto que Maikon era forte, bom em qualquer esporte e respeitado por todos. Eu odiaria manchar sua reputação.

Parecendo entender o motivo do meu desconforto, Maikon inflou as bochechas com tanta raiva, que pensei que quebraria tudo na sala. E ele realmente chutou uma cadeira contra a parede, e saltou sobre a mesa em meio ao estrondo metálico do quadro branco desabando.

"Atenção todo mundo!" Ele gritou, como se a atenção da turma toda já não estivesse nele. Metade dos colegas o encarava com surpresa e medo, e a outra metade segurando o riso, com cara de lá vem o Maikon de novo. "Tenho algo a anunciar. Eu sou gay. Super, super, super gay. E eu beijei esse cara, e foi gostoso pra caralho."

Maikon apontou pra mim, e eu nunca na minha vida quis desaparecer com tanta força.

Eu escondi o rosto atrás da minha pasta, como se todos aqueles olhares me devorassem.

"E então? Alguma pergunta?" Maikon bateu o pé na mesa. "Douglas? Elise? Vocês pareciam ter bastante assunto, agora pouco."

Ninguém na turma respirava. Alguns até recuaram contra a parede do fundo, sinceramente assustados.

Logo alguém segurou Maikon pelo braço e encerrou seu espetáculo. Era a Sra. Cleavehill, que retornou ao ouvir a gritaria. Ela olhou para a cadeira e o quadro quebrados, e pela expressão em seu rosto concluí que eu voltaria sozinho pra casa.

De fato, Maikon teve um segundo encontro com a sala de detenção, então eu deixei sozinho o prédio do primário e voltei solitário, segurando apertado as alças da minha mochila e mantendo o rosto baixo, tentando me esconder atrás das franjas.

Ondas em Rebentação (AMOSTRA)Onde histórias criam vida. Descubra agora