Capítulo 21

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A parte ruim em ter um quarto enorme, no segundo andar e com vista para o mar, era a impossibilidade de voltar pulando a janela.

Eu abri a porta de entrada furtivamente, silencioso como um ninja, mas claro que papai Dylan sentiu meu cheiro e veio marchando ao longo da sala. Seus olhos finos como agulhas verdes amoleceram minhas pernas.

"Atrasado de novo?" Ele pôs as mãos na cintura. "Sua aula termina às três, e já são cinco e quarenta e quatro da tarde."

"Teve ensaio da formatura e o clube de artes ficou no meu pé, querendo ajuda com tudo." Expliquei, o que era dez porcento verdade, e noventa porcento eu e Maikon fazendo amor no vestiário.

"A situação mudou e você sabe muito bem disso." Papai Dylan me puxou para dentro e trancou a porta. "Você e seu predestinado já foram conectados. Daqui em diante vocês sentirão tudo o que o outro sentir, conhecerão a alma um do outro."

Todos os dias a mesma bobagem. Minha vontade em revirar os olhos e ir embora era forte, mas se eu fizesse isso minha bunda seria destruída uma segunda vez, e de um jeito bem diferente.

"Não sinto conexão com ninguém." Ou ninguém além do Maikon, pelo menos.

"Vai sentir se fizer algum esforço. Comece esquecendo daquele seu ex-namorado. Macular o vínculo é um dos piores crimes que um tritão pode cometer."

"Sim, senhor." Eu baixei a cabeça, ou papai Dylan notaria o avermelhado em meu rosto. As cenas do vestiário voltaram na pior hora possível. Maikon me curvando no banco, Maikon arrancando minha calça, Maikon me comendo gostoso e rápido, no medinho que encontrassem a gente.

"Fico feliz que compreenda." Papai Dylan relaxou o corpo e a expressão. "Quando o encontro ocorrer você pedirá perdão pelos erros terríveis que cometeu, e seu predestinado talvez seja tolerante. Crimes anteriores ao despertar costumam ter menor gravidade."

"Como assim, talvez seja tolerante?" Eu ergui meus olhos ao papai, mas ele já dava as costas de volta à cozinha.

"De hoje em diante você só deixará esta casa para ir à escola, e após a formatura se manterá aqui, puro e imaculado, como é esperado de um tritão ômega."

"Isso não é justo!" Ergui a voz, indignado. "Por que eu não posso nem sair com meus amigos?"

"Porque você não é um humano!" Gritou papai Dylan, virando-se para mim por um breve instante. Parecia haver fogo por trás de suas íris verdes. "Eu sou o seu progenitor alfa, e eu vou te proteger enquanto eu ainda posso!"

Eu consegui engolir as lágrimas, deixando-as escapar apenas quando papai Dylan entrou na cozinha, certamente preparando um jantar mega-elaborado para quando seu precioso Gabe voltasse do trabalho.

Fervendo de raiva, eu me tranquei no meu quarto. Minhas enormes folhas de desenho estavam espalhadas pelo chão, me esperando terminar a nova série de desenhos. Eu me ajoelhei diante daquelas porcarias, agarrei um bastão de carvão e risquei, risquei, risquei.

Preto no branco. Carvão após carvão se destruindo nas folhas brancas, enquanto meus gestos violentos revelavam nas sombras, a luz que igualmente destruiu a minha vida.

Como em meus sonhos, o brilho do chamado me cercava por todas as direções, brilhante, opressor, intenso, controlado pelos golpes rápidos dos meus traços. O único controle que eu ainda mantinha.

Já era noite quando terminei o último desenho. Meu quarto, minhas roupas e meu corpo se encobriam de fuligem escura, e minha raiva estampava papéis pelo chão, sobre a cama e nas paredes. Meus braços doíam de tanto desenhar, mas minha raiva enfim se dissolveu, como poeira de carvão.

Ondas em Rebentação (AMOSTRA)Onde histórias criam vida. Descubra agora