Michel
Minha visita já havia começado como uma tragédia.Todos os anos eu visitava a família do Gabe. Às vezes por uma semana, às vezes por um mês... Dependia das minhas férias no hospital, e como chefe da equipe de obstetrícia, conseguir folgas era um tanto complicado.
Ainda assim, encontrar Gabe e o meu afilhado era a parte alta das minhas férias, até porque eu precisava acompanhar a saúde das crianças. A vantagem de ser um médico especializado em tritões era fazer estas consultinhas domésticas, que acabavam se transformando em turismo no arquipélago havaiano.
Infelizmente, daquela vez as coisas não deram tão certo. Um pedaço de outdoor acertou a lateral do carro apenas para enfatizar minha opinião, e seguiu sendo arrastado pela correnteza.
"Eu não entendo esse trânsito. Já são onze da noite, como pode uma tranqueira dessas?" Perguntou Alisson, esganiçando a buzina de seu pobre fusca.
Diante de nós, o para-brisa trabalhava furiosamente. Tap-tap-tap de um lado a outro, sem dar conta da chuva torrencial. Ao nosso redor diversos outros carros também buzinavam, iluminando a avenida com seus faróis vermelhos e laranjas. Nossa única fonte de luz.
Eu murchei os ombros e desejei ser engolido pelo banco do passageiro. Por lerdeza minha não havia percebido que a exposição do Hian significava que Gabe e Dylan não poderiam me buscar. Se eu tivesse percebido antes eu pegaria um táxi, mas era tarde demais. Alisson já me aguardava no aeroporto e, apenas para piorar, um ciclone encharcava a cidade num vendaval feroz. O trânsito estava parado há mais de três horas.
A tempestade estalava contra o teto do carro e descia como um rio ao longo da avenida, carregando bicicletas, guarda-chuvas e até um poste de luz. Os coqueiros que adornavam as suntuosas mansões dobravam-se ao vento, prestes a se arrebentar.
"Nunca vi tanta chuva em Waikiki. A previsão não disse nada sobre isso." Eu apertei os botões do celular, na tola esperança de que a bateria voltasse. Qualquer distração seria bem-vinda.
Alisson também tentou mexer no celular dele, que estava igualmente morto.
"Acho que perdemos a exposição do Hian." Ele bufou, jogando o celular entre os dois bancos. "Por que eu não trouxe o carregador pra carro? O Maikon vai surtar. Ou fazer uma festa pra comemorar minha morte, não sei."
"Ele continua problemático?" Perguntei, desesperado em começar qualquer assunto.
Alisson girou os ombros, tentando espreguiçar no espaço apertado.
"Ele se culpa pelo divórcio. Não gosto que ele namore o próprio primo, mas às vezes acho que o Hian é o único salvando ele de uma instituição juvenil."
A franqueza na resposta me surpreendeu. Alisson não falava muito da própria vida, especialmente comigo. Eu arrisquei fitá-lo com o canto da visão.
Seria ótimo se a idade diminuísse seu charme, mas a verdade é que Alisson continuava lindo. O que ele perdeu em vitalidade e juventude, ele ganhou em maturidade e boa postura. O cabelo grisalho mantinha-se volumoso e brilhante, e até suas primeiras ruguinhas eram sexy, desenhando o lado dos olhos apenas quando ele sorria. E que sorriso. Alisson não parecia nada alegre naquele momento, mas eu lembrava o lindo tom branco de seus dentes, e aquela regata apertada sugeria que seu peitoral mantinha-se saliente. E delicioso. E perfeito.
Minha primeira visita após o divórcio. Será que Alisson também percebia isso, ou pelo menos notava o quanto eu tremia? Meu estômago parecia embarcar em uma montanha-russa.
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Ondas em Rebentação (AMOSTRA)
RomantikAVISO: AMOSTRA GRATUITA. O livro completo encontra-se disponível na Amazon. Hian vive com um único objetivo: Tornar-se um grande tritão, e honrar a linhagem de seu amado pai Dylan. Sério e bem decidido, o meio-tritão traça os planos de uma vida...