Capítulo 25

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O baile de formatura ocorreria naquela mesma noite e lá estava eu, preso num buraco d'água como um peixe num aquário.

Eu nunca havia dormido sob a água, então acordei quebrado, com as costas doendo e cãibras ao longo da cauda. Papai Dylan se enrolava como um gato para dormir, abraçando a ponta da cauda, mas eu odiei tentar imitá-lo. Não havia posição confortável quando dois terços do meu comprimento eram um rabo de golfinho coberto de escamas.

Por falar em escamas, elas eram meu único consolo naquela manhã solitária. As escamas novas terminavam de crescer, brilhantes e lindas. O sol refletia as cores da minha cauda como um arco-íris nas paredes do quarto.

Eu flutuei de costas naquele pequeno espaço, fazendo minha barbatana refletir pontos coloridos no teto. Meu único passatempo no dia mais tedioso e agonizante da minha vida. As grades do cano de troca de água só contribuíam para o clima de presídio.

As memórias do último sonho voltaram como um choque elétrico. A figura chegou tão perto de mim que pude ver o ondular de seus cabelos. Pareciam sedosos e densos, não muito longos. Estranho era a cor. Brancos como a lua, apesar do cara ser jovem como eu, e muito musculoso.

E ele quase tocou em mim de novo. Nessa parte eu sempre acordava. Pude quase ver seu sorriso quando disse em breve chegarei.

Frustrado, eu mergulhei a cabeça e gritei sob a água. Eu não queria aquele cara! Não queria ser forçado a acasalar com um estranho!

Assim que emergi, o toque da campainha chamou minha atenção. Sábado o papai Gabe costumava reunir a família, mas com o clima hostil dentro de casa imaginei que tivesse cancelado.

"O que está fazendo aqui?" Disse papai Dylan ao atender. Mal pude ouvi-lo através da porta trancada.

"Ahm... vim ver o Hian, ele tá bem?"

A vozinha acuada do Maikon torceu meu coração. Eu quis gritar por ele, mas apenas nadei em círculos naquele espaço minúsculo, agoniado.

"O Hian está ocupado. Arranje outro amigo pro baile."

"Quê? Ele não vai ao baile? Como assim, tio?"

"Retorne ao seu próprio núcleo, o meu filho não..."

"Dylan, já chega!" Papai Gabe o interrompeu, e prosseguiu com a voz macia. "Desculpa, Maikon. O Hian adoeceu um pouquinho e precisa se recuperar na piscina do nosso quarto. É uma pena que não exista nenhum meio de vocês se encontrarem."

Eu estranhei o tom de voz do papai Gabe. Maikon demorou um pouco a responder.

"Ah. Entendi. Digo, me desculpem por incomodar. Vou passar o resto do sábado sozinho, na minha casa."

"Não volte."

"Dylan, que grosseria!"

Algum deles bateu a porta de entrada e a velha gritaria recomeçou. Para um humano tão sorridente e dócil, Gabe sabia virar um urso quando era contrariado. E pela primeira vez papai Dylan não cedia. Minhas chances de ir ao baile continuavam no zero.

Em algum momento a discussão acalmou e alguém ligou a TV da sala. Eu nunca gostei de ver TV mas naquele momento eu assistiria até talk show com celebridades. Menos de um dia aprisionado e eu começava a enlouquecer.

Um estalo embaixo d'água me sobressaltou. Eu virei na direção do som e o estalo se repetiu. Vinha do outro lado do cano. Assim que eu mergulhei minhas guelras reconheceram o nado primitivo de um humano.

Antes que eu entrasse no tubo alguém apareceu pelo caminho oposto. Eu recuei e abri espaço, sem acreditar quando o reconheci.

"Maikon? Como você..." Falei, esquecendo que ele não podia ouvir a voz do chamado. Eu o puxei para cima antes que aquele louco se afogasse.

Ondas em Rebentação (AMOSTRA)Onde histórias criam vida. Descubra agora