Capítulo 22

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As ondas embalavam meu corpo na profundidade infinita. O brilho do chamado machucava, quente demais na água gelada demais. Eu mal conseguia manter os olhos abertos.

Quando enfim controlei o movimento da água eu virei de costas, e notei alguém distante. O tritão que perseguia meus sonhos. A cada vez que eu adormecia ele parecia mais próximo. Um mês após o meu despertar, e ele tornou-se nítido o bastante para eu notar o peitoral largo, a barriga seca e o formato quadrado do queixo. Minha visão ainda se enganava ao olhar mais baixo. A ponta da barbatana, pequena e curva para dentro, não lembrava em nada a minha própria cauda.


<< Por quê você fez isso? >>


Eu agitei o rosto, tentando acordar. Não queria ouví-lo, mas a voz ecoava dentro de mim, tão inevitável quanto se molhar dentro da água.

"Não te interessa o que eu faço!" Esbravejei, sem causar a menor reação daquela silhueta escura. "Eu tenho um namorado, não preciso de você!"

O brilho do chamado se intensificou, cobrindo tudo de branco. Minha pele latejou numa agonia insuportável, como se o mar fervesse. E o mar realmente fervia. Bolhas e vapor me carregaram à superfície enquanto eu gritava de dor, e quando emergi não haviam mais estrelas no céu, apenas um inferno em tons vermelhos, formando-se do vapor do oceano fervente.

Mãos apareceram por trás de mim e agarraram meu peito.

Eu gritei ainda mais alto.

Despertei num salto, ainda gritando. Não suportava mais aqueles pesadelos.

Estranhamente, o lugar amplo onde acordei não parecia o meu quarto, ou quarto nenhum. Eu esfreguei os olhos e foquei na expressão preocupada da Amanda. Ela deixou cair a tesoura e a cartolina meio recortada e ajoelhou ao meu lado.

"Hian, que grito foi aquele? Se machucou?" Perguntou ela, ajeitando os óculos imensos no rosto.

Eu notei que estava caído no chão do ginásio coberto, próximo de onde montavam o palco da banda. Com a ajuda da Amanda consegui sentar, gemendo para o ardor na minha pele. Foi apenas um sonho, como eu podia estar queimado de verdade?

"Quer que eu chame o Maikon?" Perguntou ela, segurando minhas costas ou eu cairia de novo. "O time de basquete ainda está treinando na quadra aberta."

"Não, tudo bem. Eu só cochilei por acidente." Falei, dando um longo bocejo exausto. Eu evitava nadar no oceano desde que despertei, e também reduzi meu sono ao mínimo possível, para não ser rastreado. Eu não dormia há três dias.

Amanda não pareceu convencida sobre estar tudo bem, mas continuou sua atividade, que era recortar letras para o cartaz do baile. Outros colegas do clube de artes trabalhavam por todo o ginásio, prendendo cortinas, armando correntes de balões, e pendurando estrelinhas de papel nas armações do teto. Os desenhos que fiz foram ampliados e colados nas paredes durante a montagem, para serem consultados pela equipe. Eu deveria ser o coordenador da decoração, mas minhas pálpebras pesavam como pedras.

Durante as últimas semanas, minha vida e também minha casa se tornaram cenário de tensão. Antes eu costumava voltar tarde, geralmente com o Maikon, e dormia com ele no meu quarto. Mesmo quando ele estava ocupado com algum campeonato, eu tinha certa vida social com os colegas de artes. Quando de repente passei a voltar cedo e sempre sozinho, papai Gabe teve todos os motivos para desconfiar de algo, mas eu precisava ficar quieto. Foi um milagre convencer papai Dylan sobre poder ficar depois da aula, para ajudar na montagem.

Ondas em Rebentação (AMOSTRA)Onde histórias criam vida. Descubra agora