14 - Eu entrei em pânico

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Engoli em seco, apavorado por tudo que estava acontecendo

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Engoli em seco, apavorado por tudo que estava acontecendo. Não conseguia entender como parara ali, nem como fora obrigado a fazer algo tão terrível... Assustador! Completamente assustador. Respirei fundo, encarando as 50 crianças, depois encarando a página aberta do maldito livro britânico. Pela primeira vez eu odiei a Inglaterra, principalmente devido sua literatura extensa. Minha mão suava ao segurar a capa dura da edição de colecionador. Minha cabeça girava, mas eu sabia que não teria como fugir daquilo. Fechei os olhos por alguns segundos e então comecei a leitura, da melhor maneira que pude.

— Há cerca de 30 anos atrás...

Bem, talvez seja melhor eu contar a vocês como cheguei nessa situação pavorosa.


***


Frankie e eu almoçamos e conversamos muito sobre Summer. Ele realmente não revelou nada de novo para mim, mas tinha muito a comentar sobre todos os episódios que eu tive com a vancouverite. Acho que podem imaginar qual foi a reação dele quando eu contei que a beijei. Ou quando eu contei o que eu disse depois. Pude ver a decepção em seus olhos, porém, ele não me julgou. Nem uma única vez. Ele apenas me tirou de lá após terminarmos nossa refeição e, sem mais nem menos, entrou comigo em uma livraria grande próxima ao Canada Place.

O resto aconteceu tão rápido que não consigo me lembrar de boa parte das cenas. Lembro das coisas como em uma das minhas listas de ideias para desenhar. A ordem nem é completamente certa, mas vou tentar explicar tudo.

1 - Tinha um grupo de 50 crianças — aproximadamente, já que não tive tempo de contar — sentadas em cadeiras de plástico e encarando um palco pequeno.

2 - Todas as crianças tinham um livro em mãos.

3 - Algumas crianças pareciam mais velhas que as outras, como adolescentes.

4 - Todas usavam uma camiseta azul.

5 - Todas as crianças tinham a atenção voltada para a garota no centro do palco.

6 - Frankie pegou em meu braço e me puxou para ficar próximo ao palco.

7 - Eu reconheci a garota.

8 - Ela me viu e pareceu ficar surpresa.

9 - Frankie levantou meus dois braços, respondendo a algo que ela tinha acabado de falar.

10 - Balancei a cabeça negativamente, com pavor, pensando em uma maneira de sair daquele lugar.

11 - A garota me olhou, arqueando a sobrancelha.

12 - Eu tentei me virar para ir embora, mas Frankie não deixou.

13 - Ela fechou o livro que tinha em mãos.

14 - Summer deu um sorriso que eu nunca vira antes — e que não me deixava confortável — e disse:

— Vejam crianças! Parece que temos um voluntário! — Ela me indicou, apontando o livro para mim. Balancei novamente a cabeça, tentando me livrar do que já sabia que seria um verdadeiro fracasso. Seria pior do que aquelas pessoas que vão no The X Factor e acham que sabem cantar I Will Always Love You da Whitney Houston e, na hora, perdem tudo que poderiam conquistar porque desafinam feio. — Esse é meu mais novo amigo, Ethan Pearce. — A platéia jovem me deu uma longa olhada e eu desejei que Frankie nunca tivesse me encontrado. Não em Vancouver, pelo menos. — Por favor, Ethan, leia um pouquinho da melhor literatura para nós.

Ela estava sorrindo, mas só eu sabia como aquela frase era para me desafiar. Ainda mais quando eu pude ver no telão atrás dela qual era o tema da leitura daquele dia: Jane Austen. Escritora britânica, como Rebeca. Acho que ela estava fazendo uma referência ao amor da minha vida, apenas para me obrigar a ler. Sem chances!

— Vai lá, cara! — Frankie me empurrou novamente e eu quase tropecei no palco. Dei-lhe minha olhada mortal; ele encolheu os ombros. — É a sua chance!

Eu poderia dizer que ele estava fazendo aquilo para me torturar, mas não. Nem Frankie sabe sobre minha "limitação". Maldição! 

— Por favor. — Summer repetiu. Olhei-a novamente, percebendo que não me deixaria em paz tão cedo. Por que Franklin me fez entrar lá? Foi tudo planejado, não foi? Aposto que sim. — As crianças precisam ver que mais pessoas em minha faixa etária gostam de ler.

Por que ela tinha que ser tão convincente? E por que os olhos daquelas crianças brilhavam tanto? Eu entrara em uma verdadeira armadilha sem me dar contar. Depois, só lembro de estar no centro do palco, um exemplar de capa dura de Mansfield Park em mãos. Era uma versão de colecionador, pelo que a capa indicava. O que realmente registrei da capa foi a prevalência de tons verdes. Abri o livro na página indicada por Summer, o coração acelerado. Passei meu dedo indicador pelas páginas e encontrei um outro marcador; era o fim da leitura do dia. Contei o número de páginas, sem dar atenção ao que acontecia ao meu redor. 30 páginas! Ela só podia estar de brincadeira.

E então eu respirei fundo, tirando o súbito ódio de Summer de meu ser. Ela não poderia ser odiada por mim, pois estava fazendo uma coisa considerada normal para uma leitora. Ela estava me incentivando a ler. Não sabia do meu segredo. Ninguém sabia, só meus pais e os funcionários de faculdade; anteriormente, os funcionários do colégio em Melbourne também sabiam. Mas nunca meus amigos.

— Não vai ler? — Uma criança gritou, claramente sem paciência. Era um menino com cabelos bem escuros.

Engoli em seco, apavorado por tudo que estava acontecendo. Não conseguia entender como parara ali, nem como fora obrigado a fazer algo tão terrível... Assustador! Completamente assustador. Respirei fundo, encarando as 50 crianças, depois encarando a página aberta do maldito livro britânico. Pela primeira vez eu odiei a Inglaterra, principalmente devido sua literatura extensa. Minha mão suava ao segurar a capa dura da edição de colecionador. Minha cabeça girava, mas eu sabia que não teria como fugir daquilo. Fechei os olhos por alguns segundos e então comecei a leitura, da melhor maneira que pude.

— Há cerca de 30 anos atrás... — Não consegui terminar nem a primeira frase. O nome tinha que ter aparecido justo naquela primeira frase? Fiquei calado por vários segundos. As crianças me encararam, ansiosas. Summer me encarava, ansiosa. Frankie me encarava, esperando que eu não acabasse com tudo. Eu entrei em pânico; assim a situação piorou. Tentei ler o nome da personagem e do local em que vivia, mas as letras começaram a se embaralhar. Eu gaguejei, li errado, gaguejei novamente. Tentei recuperar a calma a muito tempo perdida, mas estava difícil. — Hum... Sete mil libras. — Odiei minha pronúncia da nota britânica. — Teve a felicidade de... — Pausa. Respirei fundo. Eu estaria lendo melhor se não estivesse tão apavorado por estar sendo encarado por umas 50 pessoas que podiam descobrir o que tentei esconder por 18 anos. Bem, não 18, porque só descobri isso aos 7. Então onze anos. — Cair nas graças de... — Mais um nome. As letras se embaralharam novamente. Eu li seu sobrenome com o r no lugar errado e Summer, gentilmente, corrigiu. Eu quis sumir! — Senhor do solar de Mansfield Park, em North... — Engoli em seco e tentei fazer a palavra apresentar sentido, ou pelo menos um som que parecesse certo. — Northamton. — Sorri em triunfo. Agora conseguiria! — Toda a cidade de Huntingdon comentou...

— Você pulou uma parte! — Gritou o mesmo garoto de antigamente. Eu quis xingar os céus, mas não podia fazer isso diante de crianças. —  Senhor do solar de Mansfield Park, em Northamton, e dessa forma erguer-se à posição de dama nobre com todos os confortos e privilégios de uma bela casa e enorme renda. — Leu ele, muito mais rápido do que eu poderia ter lido. Ótimo! A criança estava me ensinando a ler! Vai por mim, pequeno, muita gente já tentou. Não dá certo não!

Eu tentei voltar a ler, tomado pelo profundo orgulho, mas as palavras se embaralhavam cada vez mais. Para piorar, eu parecia não ter mais saliva dentro de minha boca. Tentei produzir mais saliva, mas parecia simplesmente não funcionar. Tentei pronunciar a frase seguinte, mas fui interrompido muitas vezes por pular palavras, ou ler a palavra errada — a qual nem se encontrava no texto — várias vezes, ou pular o resto de uma frase completa. As letras não pararam de se embaralhar e eu quis chorar. Estava sendo analisado por crianças que, obviamente, amavam ler, então elas deviam estar me achando um verdadeiro panaca.

— Acho que já está bom, Ethan. — Summer me interrompeu. Olhei para ela, logo percebendo o sorriso doce que estava sendo direcionado a mim. E naquele momento eu soube. Summer Young descobrira meu segredo.

Olá, SummerOnde histórias criam vida. Descubra agora