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Sempre odiei festividades e comemorações de nosso reino. Todos sempre enchem a cara como se fosse uma saída rápida de suas vidas amarguradas. — Nunca tive uma festividade em meu aniversário, afinal qual é a graça de saber que sua morte se aproxima cada vez mais? E, muito menos vejo graça ou sinto alegria em ser obrigada a participa de um ritual de tempos arcaicos por conta de uma lei e dons que todos afirmam existir, mas que nunca pude ver ou sentir antes na vida.

— Ande Calyn, coloque um sorriso nessa cara feia!

Schrader está sentado a minha frente devorando o pão fresco que Gael acabou de trazer e, tentando me convencer a uns bons minutos de que hoje, no rito, tudo irá ser emocionante e legal.

Como se eu não tivesse mais com o que me preocupar!

— Não tenho motivos pra sorrir, — falei ao franzir minha testa — a não ser que você queira que eu comesse a rir da sua cara, afinal um porco comendo lavagem tem mais modos que você!

— Ei! — Ele falou e mastigou de boca cheira, para me irritar.

— Nojento! — disparei.

— Ranzinza! — Schrader revidou.

— Vejo que nem todos estamos animados para o Wendinrry, hoje. — Cantarolou Lucyn ao se juntar a nós, sentando a mesa do lado de Schrader.

Ela estava incrivelmente radiante, como de costume.

— Eu só não vejo o porquê de ser obrigada a participa do rito, se é você quem demonstrou afinidade naqueles testes ridículos.

Ainda me lembro das pinturas horríveis que aquelas velhas — quer dizer, anciãs —, fizeram em meu corpo, dizendo palavras que não compreendia mas tinha que repiti-las perfeitamente. E, como se não fosse tortura o suficiente, fizeram riscos no chão e bateram tambores. Tenho que confessar, minha vontade foi de sair correndo e denuncia-las, mas como não tinha certeza de que aquilo era maligno ou, "uma ameaça ao reino", — como sempre dizia os guardas nos dias de revistar as barracas do mercado — fiquei quieta e esperei que terminassem.

— Porque?! — Lucyn suspira dramaticamente, me fazendo revirar os olhos. — Por que é a lei e a tradição Calyn, aceite.

Antes que pudesse debater, meu outro irmão mais velho entrou na pequena cozinha. Parou por um breve instante e nos fitou com aqueles olhos verdes claros.

— Deixe-me adivinhar — Pitter começou e eu suspirei —, Eu odeio o rito! Eu não quero participar! Vou fica em casa, o rei nem vai perceber que falta uma! Isso tudo não passa de de uma imensa besteira!

Pitter fez uma imitação horrível de mim. E todos explodiram em risadas altas enquanto eu fazia careta mais uma vez.

— Ou a minha preferida... — Ele colocou as mãos na cinturas e fingiu enrolar uma mecha de cabelo inexistente.— Pra que diabos, a final, serve tudo isso?!

— Ah, que ótimo! Agora a família inteira irá caçoar de mim? — protestei irritada.

— Não é isso querida,— disse nossa mãe, se juntando a nós — é que não há motivo para você está tão ranhenta a essas horas da manhã.

— Eu só não queria ter que participar dessas coisas ridículas, mãe — murmurei cabisbaixa.

— É a tradição, Calyn. E acima de tudo, essa é a lei! Nós não devemos gostar, devemos apenas segui-la.

Fiquei quieta, ninguém nunca vencia uma discussão com nossa mãe. Ela poderia ser doce e compreensível, mas nunca — de forma alguma — toleraria desobediência ou rebeldia de nossa parte.

Mamãe deu um tapa na cabeça de Schrader ao vê-lo comendo de boca aberta mas, antes que pudesse discursar seu sermão sobre modos, papai apareceu na porta, com euforia estampada em seu semblante.

— Estão prontos? Já coloquei as coisas na carroça, e se não querem se atrasar, temos que sair agora — Ele entrou a passos largos e deu um beijo suave no topo da cabeça de mamãe, tudo isso sem parar de falar. — Mesmo com três cavalos, vai demorar uma hora ou mais para chegar em Susan.

Como se aproveitando a deixa, todos saíram em direção à porta. Com certeza, os outros meninos e Gael já estavam lá fora.

— Vamos, prometo que não será tão ruim assim.— Minha mãe afastou uma mecha meu cabelo, cor de palha, do rosto e a colocou atrás de minha orelha. — Sem falar que esse rito acontece a cada vinte e seis anos minha filha, depois de hoje, você não terá mais que se preocupar mais com isso.

Esperava realmente que fosse assim, afinal, o quão fantástico seria morar em um Palácio com vários empregados e um rei, com apenas o dever de gerar vários bebês, — caso um menino não viesse de primeira?

Um pouco relutante, eu assenti e a segui para fora de nossa pequena casa, dexando ela e papai — que trocavam olhares estranhos entre si —, sozinhos por um instante.

《■》

A viagem foi longa.

Pitter e Schrader não pararam de tagarelar sobre a possível diversidade de comidas que encontrariamos em Susan, com os outros. Gael e Lucyn se contentavam em sonhar com o recém titulado rei de Forceu. E mamãe só dizia para mim seguir as orientações das anciãs pelo menos desta vez. — Mesmo tendo que assentir com a cabeça diversas vezes para que ela parasse de dizer as mesma coisas. Eu sabia que ela realmente estava certa quanto a isso. Vinha debochando das comemorações e rituais sagradas, a dias, somente para irritar papai, que resolvera — entre três filhas — arrumar um noivo para mim, do qual nunca ouvi falar antes. Sempre dizendo que sabia o que era melhor para mim e, que o "rapaz"— era como ele se dirigia ao meu tal noivo — me faria muito mais que feliz. Mas como poderia se ele não tem a mínima ideia do que eu gosto, — nem mesmo eu sei! — como poderia me fazer feliz?

A estrada de terra começou a dar lugar a uma passagem de paralelepípedo, a floresta que despontava ao dois lados de nosso percurso já era um borrão em minha visão, ao olhar para trás, então não precisei de muito para já saber o que papai direia ao olhar para nós.

— Estamos chegando. — Papai falou alto tentando sobrepujar o barulho dos cascos dos cavalos em meio ao caminho de pedra e ao falatório de meus irmãos.

E com um apertar de olhos, pude ver o pontinho ao longe que era Susan a nossa frente.

Sétima Filha - Beijada Onde histórias criam vida. Descubra agora