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Não sei ao certo como, mas eu o sentir; era como uma presença de pura energia. Dava para sentir em meus ossos o tamanho de sua grandeza e força. Agora entendo o porquê de quererem proteger os dons de forças malignas. Pude ver em cada fibra do meu ser, o estrago que apenas esse dom poderia causar em meio a uma guerra. As várias vidas que sua força já tomou um dia e, as outras várias que ainda tomará.

Os pelos de meu corpo se arrepiarem e minha respiração estava entrecortada. Tudo que eu acreditava não passava de mentira. Aquela força antiga de fato existia, e agora eu sabia.

Minhas pernas estavam bambas.

Como se realmente estivesse a escolher uma de nós, ele passou, voando ou andando — não sei ao certo — por mim. Rodeando por trás do limite de meu círculo. Meus cabelos se soltaram da trança com o forte vento que sua presença jogou contra mim. Tentei me manter impassível, mas o conhecimento de todo aquele poder a centímetros de meu corpo, me fez estremecer. E, finalmente ele seguiu até a próxima.

Após isso, tudo que aconteceu foi muito rápido. Primeiro foram os barulhos do vento forte se chocando contra as outras, estremeci ainda mais só de saber que elas estavam sentindo tudo aquilo que eu pude também sentir. Logo em seguida, gritos altos de medo ou aflição, seguidos por barulhos de seus corpos se chocando contra o chão, me impedindo de mover sequer um músculo de meu corpo. Minha respiração já se encontrava ofegante quando escutei o grito alto de Lucyn, seguido pelo o de Gael. Lágrimas escorriam por minhas bochechas, frias e desesperadas, mas me mantive firme, eu não podia — não conseguia — me mover, e se era apenas aquele círculos ridículo que me mantinha segura, não sairia de dentro dele por nada.

Aonde estão todos?

Não ouvi sequer a respiração de uma só pessoa. Cada vez mais, aquele silêncio devastador me consumia, junto com o medo do que teria que enfrentar ao abrir os olhos. Tudo ao meu redor estava frio e surpreendentemente calmo. Não consegui sentir nem ao menos o calor reconfortante da fogueira que queimava a poucos metros de mim.

Novamente, senti sua aproximação. Quieto e sorrateiro, ele parecia não querer me assustar, ou matar de medo como suponho que fizera com as outras. Aquele vento passou por mim mais uma vez, porém, como uma brisa suave a brincar com meu cabelo e a fazer a barra do vestido dançar.

Gelado como o primeiro floco de neve do inverno, entretanto tão belo quanto o mesmo, um toque, não, um beijo suave foi dado no canto superior de meus lábios, deixando uma quentura se passar por todo o meu corpo a partir daquele ponto. Pura ternura e pura devoção foram dados naquele beijo. Um dom havia tocado onde nenhum mortal antes se arriscara a toca. Não apenas meus lábios, — em minha essência.

Assim que se foi, tudo ao meu redor voltou abruptamente, os sons — arquejos baixos dos aldeões —, as sensações — o calor que emanava do fogo, a brisa calma do começo da noite — e a dor.

Dor?

Como se ferro quente e embrazante fosse encostado em minha pele, minhas costas arderam forte e pude ouvir nitidamente o chiar da queimadura. Soltei um grito alto entre os dentes cerrados, minhas pernas bambearam quase me fazendo cair de encontro ao chão. Jamais senti uma dor tão forte quanto essa. Todo os ossos de meu corpo parecia ranger, tornando a dor mais insuportável ainda. Era como se alguém estive marcando em minha pele, á cru, o meu dono, a quem eu serviria o resto dos dias de minha vida mundrunga que se seguiria a partir de hoje.

Sem aviso ou cerimônia, outro toque suave foi dado entre minhas sobrancelhas, no meio de minha testa, esse era mais suave, mais quente. Como uma brisa calma de outono. Ao se afastas, novamente a dor trucidante me envolveu, queimando a superfície de minha pele ainda mais, me fazendo gritar e chorar pedindo por ajuda. Meus urros eram cada vez mais alto e desesperado; entretanto, ninguém ao menos ousou me ajudar.

Novos toques suaves e afetuosos,— como pedidos de desculpas pela dor que se seguiria em seu fenecimento —, foram dados. Simplesmente parei de contar após sentir um líquido quente e viscoso escorrer meu corpo até a base de meu cóccix.

Sangue.

Tentava repassar tudo que já fiz um dia em minha mente em pequenos fragmentos - até mesmo pensar causava-me uma dor castigante —, mas não pude identificar nada realmente odioso.

Oque fizera para incita a cólera dos Deuses de tamanha forma?

Estou de joelhos e ainda de olhos fechados quando mãos macias e quentes tocaram meu ombro, cautelosas e suaves. Não sei quantas horas ou minutos se passaram, nem se ao menos tinha desmaiado ou apenas esperando a dor passar.

Meu corpo doia mas do que nunca, até meus dentes cerrados pareciam ser capazes de cair sem muitos esforços. A parte de trás de meu crânio latejava contantimente, mas a queimação em minhas costas havia em fim cessado.

Quando abrir os olhos lentamente; mesmo após o por do sol, ainda era claro. Pude ver cada uma das expressões assustadas das pessoas que olhavam para mim com pesar, o olhar assombroso que o rei direcionava e os rostos assustados de minhas irmãs.

O que havia acontecido?

V-você esta bem? — reconheci a voz da anciã antes mesmos de olhar em seus olhos cinzentos.

E foi ali, em seu olhos em que pude ver por uma pequena fenda em suas íris, tamanha o seu sofrimento pela perda de seu único filho, Issac. A culpa que sentia por não ter chegado a tempo para fazer o parto de gêmeas, na aldeia de Crifin, Anne e Maya seriam os nomes das recém-nascidas que morreram sufocadas no ventre da mãe após sua bolsa estourar...

Pisquei meus olhos com força e me afastei daquelas lembranças de dor e sofrimento, voltando para dentro de minha própria mente, puxando o ar com força para dentro de meus pulmões.

Oque eu fiz?

— Não tenho certeza — minha voz estava diferente.

Pisquei os olhos com força, quando voltei a abrir-los, ví no alto de uma das casas mais ao longe uma folha marrom arrastada pelo vento, pousa suavemente. Mordi meu lábios macios — e não mais rachados como estavam a horas atrás — com força, sentindo sua textura fina e pequenas veias que passam por dentro do mesmo, com um tipo de sangue que continha poderes curativos.

Espere... Oh, não, não, não, Não!

E como se não fosse o suficiente, meu corpo inteiro havia mudado, desde os fios de cabelo finos, até as unhas quebradiças dos pés. Tentando não entra em pânico puxei o ar com força o segurando um pouco antes de expirar.

A anciã pediu que me levantasse devagar. Obedeci, feliz por não está sentindo mais aquela dor alarmante de antes. Ela passou um pano cuidadosamente sobre minhas costas, e pensei que seus olhos saltariam de suas órbitas de tão arregalados que eles ficaram assim que olhou para elas, recuando com o pano encharcado de um líquido escarlate.

Eu não estava pronta — não para oque se seguiria.

Meu corpo estava rígido quando, engolindo em seco, a anciã se virou para o rei e para todos presentes, hesitou, um antes de dizer alto e com a voz trêmula.

— Ela foi beijada — fez uma pausa, como se tomasse coragem para prosseguir — pelos sete dons de Wareehon.

E foi a última coisa que ouvi até minha visão ficar turva e depois sumisse completamente. Minhas mãos não impediram o impacto contra o chão, quando minhas pernas não me sustentaram mais.

Sétima Filha - Beijada Onde histórias criam vida. Descubra agora