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Susan, a cidade mais próxima do Palácio, sempre foi bela aos meus olhos e com certeza aos olhos dos outros reinos, pois sempre esteve lotada de forasteiros em dias normais e hoje, estava abarrotada de pessoas, quase não se dava para andar em meio a multidão que espalhava-se em um emaranhado de casas e barracas.

Lanternas, bandeiras e flores brancas enfeitavam todas as ruas e becos de Susan. Porém, o centro da cidade, aonde ficam as barracas do mercado, estava vazio e limpo, sem quaisquer vestígios de comércios, apenas um grande espaço vazio com pinturas no chão. Era ali que aconteceria o rito, ali que uma de nós seria beijada e levada de nossa família.

Ainda não entendo ao certo os motivos que os sete reis de Wareehon tiveram aprovarem uma barbaridade dessas a tantos anos atrás, não que seja um banho de sangue, nem de longe, mas levar uma garota de sua família, com ou sem consentimento, me parece uma prova de suas retenções.

Logo ao fundo, entre dois grandes postes - usados para punir com chibatadas, ladrões e outros bandidos — se estendia uma longa tenda marrom, para onde minha mãe arrastou Lucyn, Gael e eu, nos deixando lá para a "purificação" e preparação.

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Nunca imaginei que ficar nua na frente de outras mulheres seria constrangedor. Entretanto, ter as mãos enrugadas de três anciãs passando por cada parte do meu corpo, era bem mais que um incômodo. — Nos lavaram com água e ervas, algumas perfumadas, para logo em seguida começarem as pinturas.

Elas pintaram meu corpo da mesma forma que foi pintado nos testes, — tinta azul e preta, desenhos e letras usados nos feriados dedicados aos Deuses — porém, tinham mais detalhados do que de costume. Seus pincéis eram frios em contato com minha pele, e suas mãos me seguravam firme quando me mexia desconfortável com os lugares onde os pincéis percorriam. Elas continuaram os padrões dos desenhos por todo meu corpo mas, a única diferença no padrão, — pude perceber por um grande espelho não muito longe atrás de mim, — eram os desenhos que mais pareciam tatuagens, em minhas costas. Todas as sete representações dos dons, uma abaixo da outra, envolvidas por círculos que se interligavam e ondas expressas ao seu redor, tornando a tatuagem bela para se admirar. — Assim que a tinta azulada e escura secou, me colocaram um vestido branco e comprido, feito de um pano leve e fino, sustentado por um laço no alto de meu pescoço, que deixava toda as costas — acima de minha cintura — nuas.

— Você está linda, Calyn! — Gael disse ao se virar para mim.

Apenas concordei com a cabeça, percebendo que suas punturas eram exatamente as mesmas que as minhas, com os mesmos tons e e traços.

Comigo e minhas irmãs, haviam por volta de vinte outras garotas, todas com as mesmas pinturas, os mesmos vestidos e os mesmo penteado de cabelo — uma trança que vinha do topo de nossas cabeças e acabava nas pontas de nossos fios. — Os rostos de Lucyn e Gael se realçavam em contato com as tranças negras e os olhos esmeraldas — Ainda não entendo ao certo o porquê de eu ser a única em nossa família, que tem os cabelos claros e os olhos prateados com raias verdes. Todos têm os cabelos negros como as penas de um corvo, e os olhos mais verdes que a grama de uma campina em plena primavera...

Pelo visto, eu sempre estive predestinada a ser a mais estranha entre os outros.

《■》

Uma trombeta ressoou alto, anunciando que alguém em nome do rei, — ou o próprio — acabara de chegar para assistir o rito e levar consigo a garota beijada pelo dom de Forceu. — Que nada mais era que: força sobre humana, audição apurada, um olfato surpreendente e uma visão implacável. — Todas as garotas se atiçaram ao meu redor, loucas para ver alguém que nunca conheceram antes, e que se não fosse esta data, possivelmente nunca teriam conhecido.

— O por do sol se aproxima — disse a anciã de expressões severas. — Cada uma de vocês deve se dirigir a um dos pontos marcados no chão. Não olhem para os lados, não falem com ninguém. Se mantenha de cabeças abaixas e olhos bem fechados assim que entrarem nos círculos.

— P-porque não podemos olhar?— Perguntou uma ruiva baixinha atrás de mim.


A anciã nem ao menos olhou em sua direção.

— Em hipótese alguma abram os olhos quando sentirem a presença do dom — ela voltou a repetir, sem ao menos se dá ao trabalho de responder a garota. — Haja o que houver, não abram os olhos.

Todas ficaram tensas e pude ouvir alguns gemidos ao fundo.

Assim que terminou de falar, a anciã simplesmente saiu da tenda deixando para trás rostos assustados, respirações entrecortadas e perguntas pairando sobre o ar.

Depois disso, todas ficamos em silêncio e pude ver que algumas entre nós estavam realmente muito assustadas, somente Lucyn permanecia com a expressão serena e calma, como se soubesse que ninguém tomaria seu lugar de direito. Ela estava convencida de que seria beijada ao por do sol deste dia e, eu rezava silenciosamente para que estivesse certa.

A mesma anciã de antes retornou após alguns minutos, nos examinou por um instante, e suspirou antes de falar.

— Em fila garotas, a hora chegou.

Sétima Filha - Beijada Onde histórias criam vida. Descubra agora