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Foram três dias que tive para me readaptar a tremenda bagunça em que se tornou meus dons. Depois de portas arrancadas de suas dobradiças, tochas apagadas com brisas fortes, pessoas molhadas com lufadas de águas, grama crescendo sobre o mármore e fogo atirado involuntariamente sobre móveis, todos resolveram manter distância de mim até que pudesse ser novamente seguro se reaproximarem. Mas o que causara mais alvoroço entre as pessoas, e até mesmo em mim, foram as vozes. No começo só um pequeno murmuro que nos rodeavam e confundia nossas mentes, mas certo dia, ela aumentaram até tornarem-se gritos agonizante. — Hellviel era o único que poderia se aproximar de mim, em certos momentos do dia em que tudo se mostrava instável.

— Você tem que se concentrar! — Disse ele certa manhã, ao entrar em meu quarto sem bater. — Canalizar todo seu poder, é sua única solução.

— Eu estou tentando. — Murmurei ao me sentar.

— Tente mais, é tudo questão de concentração.

— Você fala como se fosse fácil, mas permita-me te dizer: Não é fácil!

— Seria muito mais fácil se você contasse o que realmente aconteceu para seus dons ficarem desta forma. — Ele franziu a testa em minha direção, causando rugas entre suas sobrancelhas. — E não me venha com aquela desculpa de que você simplesmente acordou e já estava assim. Não sou idiota, Calyn. — Hellviel trincou o maxilar tão forte que pude ouvir o ranger de seus dentes. — Sei que algo aconteceu, e para o seu bem, espero que não seja o que estou pensando.

Tentei manter minha expressão indecifrável, e sorri para ele, meu sorriso mais doce de todos.

— Esta imaginando coisas, Hellviel. — suspirei. — Talvez tenha perdido mesmo a sua sanidade — sussurrei docemente. — Me avise quando encontra-la. Ou não.

Hellviel inclinou levemente a cabeça e fitou meus olhos:

— Às vezes, perder a sanidade é melhor do que mante-la. Certamente, você perderá não somente a sua, se minhas suspeitas se mostrarem reais.

Depois desse pequeno conflito, ele saiu quando o murmuro das vozes voltaram a preencher o quarto. Mesmo que meus ouvidos fosse tampados com as mãos e eu tentasse me concentrar em outras coisas, as vozes só cresciam mais e mais em minha mente. Elas eram indecifráveis, todas falavam ao mesmo tempo, várias frases diferentes, algumas cheias de angústia, tristeza e rancor, que tirara qualquer luz do dia, outras em tons mais armênios, calmos, tranquilos, como preces ditas antes de dormir. Mas o fato é, se elas não parassem, eu não poderia manter mais minha sanidade intacta. — O fogo foi o primeiro á voltar a seus eixos, com a ajuda do livro, não fora muito difícil fazê-lo submeter-se a mim novamente, e esse fora um grande alívio a todos, pois o fogo era o que vinha causando mais estragos. Talick permitiu que o livro do Ar fosse-me entregue, sua leitura fora a que mais me chamou a atenção. Nele não dizia somente como dobrar o ar a meus comandos, mas também como usa-los em diversas situações das quais ele poderia atacar e defender. Estava começando uma outra página quando Aaron entrou para mais uma visita clandestina em meu quarto.

— Você parece concentrada. — Aaron sussurrou em meu ouvido assim que sentou-se ao meu lado, na cama.

— Eu estava concentrada. — Murmurei sem desviar o olhar das páginas.

— Quer dizer que eu tiro sua concentração?!  — Falou ele roçando os lábios no lóbulo de minha orelha. — Isso é bom ou ruim?

Ignorei o arrepiar de minha pele e fitei seu rosto, até meu olhar ser direcionado a seus lábios curvados com um sorriso presunçoso... E foi ai que as palavras sumiram de minha mente. Pude sentir meu rosto se encher de rubor ao lembrar da noite em que entreguei-me a seus braços e deixei-me levar por seus beijos. Me arrepiei novamente e desviei o olhar rapidamente.

Sétima Filha - Beijada Onde histórias criam vida. Descubra agora