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Realmente o por do sol se aproximava. Seus raios estavam quentes com o calor do final da tarde.

Em dias como este, a esse mesmo horário Lucyn, Gael e eu estaríamos no pequeno riacho que passa a poucos quilômetros atrás de nossa casa, lavando as roupas mal cheirosas de Schrader e dos outros. Ou brigando pelo simples fato de eu achar todos os pretendentes de Gael, — que por sinal, ela podia escolher! — um pior que o outro (desajeitados e sem nem ao menos um anel para enfatizar o compromisso). Voltaríamos para casa antes que escurecesse muito, e daríamos de cara com Pitter se agarrando com qualquer coitada do vilarejo, no mato — como várias vezes antes, — ou chegaríamos rápido em casa para ajudar nossa mãe com o jantar.

A multidão se estendia por todos os buracos de Susan, porém, agora mais intensificada no centro da cidade, ansiosos e curiosos para o começo do rito. — Pelos menos eles poderiam observar todos os acontecimentos desta data.

No chão de terra e paralelepípedos, foram feitos desenhos usados nos rituais sagrados ou comemorações da troca de estações. Vários  círculos se encontravam entre esse emaranhado de símbolos, diagramas e letras arcaicas. Uma a uma, cada garota foi se posicionando dentro dos círculos. Assim que a última de nós entrou no último círculo, um espantoso silêncio se fez, dissipando todo o barulho que havia anteriormente. Nem mesmo um bater de asas de um pássaro era detectável.
Passei os olhos rapidamente pela multidão, procurando cabelos excessivamente pretos e olhos verdes esmeraldas. Mas nem mesmo meu pai, — que era muito alto — se destacou entre vários desconhecidos, alguns vindos de outros reinos.

Mas uma pessoa se destacava, entre as feições cansadas e judiadas pelo trabalho constante sobre o sol quente de Forceu. Envolvido por cerca de outros vinte ou trinta soldados e oficiais, estava o rei. De pele clara, cabelos cor de avelã e olhos incrivelmente azuis — um azul tão intenso que daria para ver a uns bons trinta metros de distância — coroa de ouro com joias — safiras, acho — encrustadas, armadura reluzente, espada presa na cintura e uma postura elegante, porém imponente. Sua feição era quase que hipnotizante.

Pertencer a uma hierarquia de grandes reis, e ainda por cima possuir um dom, tem lá suas vantagens...

E que vantagens!

Desviei os olhos daquela miragem e abaixei a cabeça, percebendo aquelas marcas estranhas no chão. Tinham um padrão que ligava todos os círculos a um maior, ao meio de todas nós, aonde uma fogueira queimava, fazendo o rosto fino de Lucyn,— que se encontrava do outro lado — tremular com o calor das chamas e suas expressões ficaram sombrias.

— Ouçam todos,— começou uma das anciãs — em poucos minutos vocês verão algo que não estão habituados a ver — suas palavras pareciam aveludadas de tão suaves que eram. — Não ultrapassem as marcas no chão, não falem ou gritem. Apenas observem e aguarde a escolha do dom.

Houve murmuros baixos, mas com um aceno do rei, logo se dissipou.

— Em hipótese alguma abram os olhos. — Ela voltou a falar, agora se dirigindo a todas nós — Caso o contrário, o dom as dispensará.

Mordi os lábios com força, me impedindo de soltar um gemido baixo como as outras soltaram. Afinal, tudo não passa de baboseira... ?!

Mas o fato é que meu coração esmurrava com força meu peito, sem cessar. Estava me sentindo como uma oferenda, um sacrifício sagrado, e pensar em tal coisa não me acalmava nem um pouco.

Afastei meus pensamentos e fechei os olhos, aguardei em meio aquele silêncio devastador repetindo a mim mesma que seguiria as ordens das Anciãs, ao menos desta vez. — Então, um vento passou por mim, balançando a barra de meu vestido e atiçando os fios soltos de meu cabelo, que fez cada um dos pelos de meu corpo se arrepiar.

Primeiro veio os arquejos baixos das pessoas. Depois o som do fogo da fogueira tentando resistir contra o vento. E então finalmente, eu o senti.

Antigo e de uma força avassaladora.

O dom.

Sétima Filha - Beijada Onde histórias criam vida. Descubra agora