— Podia ter deixado isso para amanhã, Betinha. Amanhã bem cedo. Se essa área já é perigosa na luz do dia, imagina então assim, à noite – Eldora dizia.
Mãe e filha subiam a colina ao fim do bairro de mãos dadas e foram parar na porta do casarão luxuoso de quatro andares onde o agiota Cachorro Brabo vivia. Dois seguranças abriram a porta alta e as deixaram entrar. Cachorro Brabo permitiu a entrada delas quando viu na câmera. Ele conhecia todo mundo da região e especialmente quem o devia dinheiro.
Betinha e Eldora logo estavam num salão grande com chão todo coberto em porcelanato bem branco feito pérola e se colocaram à frente de Cachorro Brabo, o homem de dois metros de altura, sem camisa para exibir seu peitoral e abdômen definidos, além das tatuagens sobre sua pele bem clara e os cordões de ouro pesando em seu pescoço.
— Recebeu a galinha na sua porta. Não recebeu, Dona Eldora? Gosto de gente assim feito a senhora, que entende o recado de pressa. Gosto! – Cachorro Brabo dizia sentado em uma poltrona alta de couro. – Veio devolver o meu dinheiro e também com os juros? Assim espero porque ou vai ser o recebimento da dívida ou bala na cabeça das duas.
Bastou Cachorro Brabo dizer aquilo e dois capangas encostaram ao mesmo tempo a ponta do cano do revólver na cabeça das duas.
— Está certo, Cachorro Brabo. Vamos conversar. Juros? Como assim, juros? Agora que vai completar duas semanas que a minha mãe pegou esse dinheiro emprestado com você.
— Juros. É. Juros! Isso aqui não é caridade, não. Quer caridade? Vai sentar a sua raba na igreja e ouvir sermão do padre. Isso aqui são negócios. Eu estou falando de grana!
— Sobre que valor nós estamos falando então com esses juros aí? – Betinha perguntou.
— A dívida agora está em R$3.000.
— Três mil reais?! O que isso, Cachorro Brabo? Duas semanas que a minha mãe pegou R$300 com você e de R$300 pulou pra R$3.000?! A gente não tem esse dinheiro – e Betinha tremia muito.
— É pra gente largar o dedo então e mandar bala nas duas, chefe? – um dos capangas perguntou bem sério.
— NÃO FAZ NADA COM A MINHA MÃE!
Quando Cachorro Brabo viu Betinha gritar daquela forma poderosa, batendo de frente, foi quando ele realmente a notou pela primeira vez. Notou as curvas da linda jovem de 19 anos, o seu rosto, a sua coragem e força.
— Ainda não. Vai. Mete o pé daqui. Vocês duas. Estou generoso hoje e vou dar mais algum prazo. Deve ter passado um anjo aqui que deu um chupão no meu pescoço e me deixou bondoso por um momento. Sei lá. SAIAM!
Betinha então voltou a abraçar a mãe e as duas saíram juntas.
— Vai rebolar essa sua raba linda para ganhar o meu dinheiro, hein! Se vira! O tempo não para e os meus juros também não – Cachorro Brabo gritava para elas enquanto saiam.
— Voltou atrás na sua decisão, chefe? – um dos capangas o questionou quando estavam sozinhos.
— Caramba, essa filha da Dona Eldora cresceu e virou uma gata mesmo, não virou? Uma gata! – mas era só o que Cachorro Brabo de repente ficava repetindo.
Para a felicidade de Betinha, no dia seguinte Robert Munsh da agência de modelos já ligou de volta. O dono de uma pequena grife viu as fotos de Betinha e a queria para fazer as fotos da campanha da nova coleção de roupas da estação. Logo Betinha estava de volta ao estúdio e se divertia tirando várias fotos enquanto usando lindos vestidos longos e decotados de bonito tom laranja e diferentes chapéus de sol.
Betinha recebeu R$1.000 pelas fotos que fez para a grife e ao retornar ao seu bairro com o dinheiro ela nem pensou duas vezes. Mandou recado para um dos capangas de Cachorro Brabo e o capanga logo apareceu na porta de sua casa de moto. Ela entregou os R$1.000 para o homem que foi embora em alta velocidade. A identidade de seu rosto escondida pelo capacete, de volta para o casarão de Cachorro Brabo lá no alto. Betinha abraçava a mãe enquanto elas observavam o homem desaparecer na distância como todo aquele dinheiro que Betinha havia recebido. Ao entrarem em casa, tudo o que elas encontravam para comer era o último restinho de milho de pipoca, mas o que as sustentava era a esperança de que finalmente começavam a pagar a dívida que as assombrava.
Naquela mesma noite, Anja navegava na internet em seu notebook quando abriu um site de beleza e nele apareceu uma janela com a linda foto de Betinha posando para a campanha da grife.
— Imunda... Favelada imunda... – Anja dizia olhando para a tela do notebook.
— O que aconteceu, Anja? – a sua empregada entrou perguntando preocupada.
— SOME DAQUI QUE NINGUÉM TE CHAMOU, VACA! Me deixa em paz. Eu preciso me concentrar. Vou fazer umas pesquisas aqui para saber o que eu consigo fazer, porque essa brincadeira, essa palhaçada de favelada bancar a Cinderela, a modelo... Isso já foi longe demais. Vou agir já pra derrubar essa infeliz.
Anja não foi a única que viu a linda foto de Betinha naquela noite. Dalton também viu a foto na internet e ao pôr os olhos na imagem de Betinha, com a sua beleza mais perfeita do que nunca antes, ele decidiu que não suportaria ficar por mais tempo sentindo a sua falta. A primeira coisa que fez na manhã seguinte foi dirigir até a casa de Betinha. Dalton parou em frente à porta da casinha simples onde ela vivia. Respirou fundo. De repente tinha medo. Não sabia como Betinha reagiria. Se iria expulsá-lo, se iria abraçá-lo. Mas então ele bateu e chamou pelo nome da mulher que ele amava.
O carro de Dalton que ele dirige agora para ir até à casa de Betinha.
> > > Continua . . .
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Os Corações Sobreviventes - Capítulo 001 a 200
Romance- Indicado ao 1º Prêmio Wattpad Brasil ( #WBr2018 ) - 2 indicações ao ADA2018 (Prêmio Da Academia De Artes Literárias) Betinha é uma jovem que vende vassouras pelas ruas para garantir a compra da sua passagem para uma viagem internacional. Ela plane...