Capítulo 25

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Estava no elevador do apartamento de Vitória e meu corpo ainda tremia. Caminhei em passos curtos e lentos no andar dela até chegar à porta grande. Respirei fundo, uma, duas, três vezes. Bati e ouvi um "já vai!" Como resposta.

Me arrependi profundamente. O barulho da porta abrindo trouxe também uma chuva de assobios e gritinhos. Manuela, o irmão de Vitória, Luana, uma menina magrela que eu não conhecia, e a própria Vitória estavam com chapéu de festa, os vários balões confundiram minha visão quando mais lágrimas surgiram nos meus olhos. Os olhares cheios de expectativas para minha reação de repente me cansaram, como tudo vinha me cansando ultimamente.

Apesar de meus pés parecem ter grudado no chão, me virei e corri na direção das escadas. Não conseguia parar de chorar, nem de sentir o tipo de dor que parecia causar uma laceração de dentro pra fora. Se nem mesmo Vitória podia estar ali pra mim, quem dirá outro alguém.

Não consegui dirigir até em casa, me vi indo pro bairro de Bárbara e antes de descer do carro me lembrei de que ela ainda estava no hospital. Não queria ir pra casa, onde Luana me faria contar tudo a ela. Tinha apenas um lugar no mundo onde ninguém me procuraria.

Corri pelas ruas debaixo de uma lua crescente que parecia rir de mim, sob luzes que insistiam em me cegar, buzinas que estavam mais altas. Não queria mais estar nessa selva de pedra, queria o sossego de viver temendo apenas minha morte e não a de várias pessoas.

Coloquei numa mala todas as roupas que encontrei, além de livros e mais algumas coisas que não quis deixar pra trás. Num post it deixei escrito que estava bem e tranquei a porta do quarto.

Pelo retrovisor consegui ver quando o carro de Vitória estava chegando no portão do meu condomínio quando virei na primeira esquina que apareceu. Segui até o aeroporto e o sentimento de estar fugindo deixava minhas pernas bambas. 

A viagem longa permitiu que minha mente descansasse, dormi durante todo o percurso e quando acordei apenas peguei um ônibus e voltei a encarar a janela. As ruas conhecidas logo apareceram pra mim, assim como outras que eu não me recordava nem mesmo um pouco. A noite de Araguaína me mostrou as estrelas tão mais brilhantes, as ruas cheias de crianças correndo, os mais velhos que jogavam carta na pracinha. Meu coração deu espaço pra saudade e pra dor de estar ali outra vez, quase dez anos depois.

A casa de fachada branca parecia velha, as ervas daninhas quase cobriam toda calçada. Mas continuava exatamente igual do lado de dentro. Os móveis ainda estavam cobertos pelo plástico, o cheiro de dona Mônica estava por todo lado, mas eu estava ali disposta a arrancar todos os fantasmas de dentro de mim. Queria me sentir livre. Tirei os plásticos, abri as janelas e deixei que o vento fresco entrasse. 

Tomei um banho demorado, levando a poeira dos meus ossos embora na água morna. Não me demorei para colocar uma calça e uma camiseta, deixei o cabelo molhado solto e saí. Me sentei de frente com a casa, na calçada que eu contrataria alguém pra limpar logo pela manhã. As luzes das casas me fizeram pensar sobre o tipo de pessoa que estaria na frente da televisão, ou lendo um livro ou simplesmente encarando o teto na noite quente. Perdi a noção do tempo ali, sentada, tentando contar quantas estrelas cabiam nos dedos.

Não me permiti tocar no telefone. Nem mesmo queria pensar em como as coisas estavam em São Paulo. Logo voltei ao meu antigo quarto, que eu dividi com Luana durante longos anos. Eu estava tão diferente agora, minha alma se distinguia tanto das paredes rosas claro, do teto branco, das camas de solteiro também num tom rosa. Eu era uma Ana Clara medrosa, que hoje tinha realizado os sonhos que sonhei com a cabeça no travesseiro velho.

Suspirei. Das várias fotos de família na sala, a única que trouxe comigo para o quarto era a que tinha quase toda a vizinhança, a data atrás da fotografia datava de doze de outubro de 2005. Dona Isabel estava agachada ao lado de uma criança branquinha, de cabelos armados e caído no rosto. Vitória. Minhas mãe estava no outro extremo, segurava Luana no colo e eu estava no meio, entre várias outras crianças e com Bárbara ao meu lado. Eu nunca tinha reparado naquela foto, nem mesmo desconfiava de que Vitória tinha feito parte da minha vida.

Adormeci sem nem mesmo perceber. Como se meus pesadelos pudessem ser afastados por aquele sono da madrugada. 

"Ana Clara!" Cobri o rosto outra vez, sonhar com Vitória não deixava de ser um pesadelo àquela altura. "Ana!" Outra vez.

Abri os olhos e o quarto ainda estava escuro. Mas a voz continuou. Arregalei os olhos, Vitória realmente estava aqui. Meu coração se apertou. Socorro Deus.

Pensei e repensei se iria até a porta ou não. O relógio na cozinha marcava cinco e meia, o que me fez raciocinar que Vitória acordaria algum vizinho, e se eles ainda fossem os mesmo, dona Maria seria a primeira a reclamar quando amanhecesse.

"Vitória o que você tá fazendo aqui?" Sussurrei apressada assim que abri  aporta. Ela me encarou no mesmo instante e seus olhos sorriram, mesmo com um pouco de dor sendo visível neles. Meu coração doeu, não doeu pouco, foi como se eu fosse morrer com aquele sentimento.

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