Capítulo 50

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Queria dizer que estou de férias, e que o "Marcus" da história tem o nome do meu melhor amigo e a personalidade do meu outro melhor amigo, que tem 16 anos in real life e que me assusta e preocupa demais. No mais, espero que ceis gostem e comentem aí sobre quem é a pessoa misteriosa da Luana, me deem ideias sobreee. ♥

Ana Clara.

Manu e Bárbara chegaram ao consenso de que eu deveria ir ao bar, porque obviamente eu estaria sem fazer nada nesse dia, mesmo que passasse a tarde revisando mais uma vez o procedimento de Aninha e de Marcus, o adolescente que tinha chegado ainda no meio da semana.

E como eu, à essa altura, já revisei cada mínimo passo que William vai realizar na cirurgia e tive mais uma vez certeza de que tudo vai dar certo, só falta ler sobre o caso do Marcus.

O menino tem quinze anos, e sofria de epilepsia. A doença teria sido causada pelo abuso de drogas, o que me assusta porque o moleque tem só  quinze anos, mas ok, porque o mundo tem mudado mesmo e todos esses clichês sobre a modernidade. E querendo ou não, legalizado ou não, o álcool é uma puta de uma droga, mas ele afirmou, apenas pra mim, que não bebia uma gota sequer do dito cujo, e que gostava mais de fumar e de pó, que ele me explicou que era cocaína, mas que cocaína era um nome forte demais e contribuía pro 'tabu entorno do assunto'.

Eu, óbvio, fiquei de cara com o "tabu entorno do assunto", porque não é um tabu, essa merda realmente faz mal!!! Já com maconha é mais fácil relevar, porque o uso é tão normal que às vezes me esqueço de que é proibida, mas paciência.

"Teus pais não sabem? Da cocaína?" --Lembro de perguntar, quase sussurrando. Ele deu de ombros, eu detesto adolescentes.

"Pó, ou pode chamar de neve, mas não, eles não sabem, porque ainda é muito tabu esse assunto."

Me segurei pra não revirar os olhos outra vez, agora em casa, enquanto me lembrava da arrogância e da prepotência na voz dele. É incrível achar que o mundo te pertence e deve ser desbravado e toda essa coisa sobre adolescência, mas há coisas que só existem pra você saber que não deve ir atrás delas, e há drogas das quais não se deve ir atrás.

A ficha dele falava sobre as crises, que duravam menos de cinco minutos e era controladas pelos pais no início, mas que agora duravam quase sete minutos e estavam deteriorando o sistema nervoso, mesmo que quase imperceptivelmente. 

"Mesmo com as crises, você não pensa em parar?"

Ele me encarou como se eu estivesse falando alguma coisa totalmente fora de contexto ou impossível de entender.

"Pensa comigo, doutora, se eu vou morrer de qualquer jeito, por que parar? Porque, tipo, porque durar 50 anos de uma vida certinha, se eu posso viver 20 de uma vida da qual eu seria capaz de me lembrar mesmo no inferno sem me arrepender de nada?"

Ok, esse menino já não é tão normal assim. Não por pensar em viver a vida em todas as suas essências, mas sim por pensar fora da caixinha que estamos condenados a pensar. E, na maioria das vezes, as pessoas que pensam assim, passam por batalhas que não compartilham com ninguém.

"Tudo bem, eu preciso falar com seus pais agora." --Falei séria, encarando o menino na minha frente, que de repente se ajeitou na cama.

"Tu não pode contar nada disso pra eles." --Ele pareceu até um pouco desesperado, o que estranhei como já estava estranhando antes.

Os pais dele não pareciam ser tão bravos, ou seja lá qual tipo de pais ricos eles eram, não pareciam ser do tipo que o apedrejariam por ter errado.

"Eles não são nenhum tipo de carrasco, se é o que tu tá se perguntando, mas eu não quero ser o motivo da vergonha deles, ou da decepção, ou seja lá qual for o sentimento que eles acham que devem sentir por isso." --Explicou, dessa vez mais calmo. --"Essa é a razão pela qual só aceitei entrar num hospital, eu sabia que tu ia ser a médica e que teu histórico com pacientes jovens não é muito bom."

Me lembrando agora de como ele falou aquelas palavras, como se eu fosse a alternativa dele para a morte, me lembrando de todos os momentos com Lucas, todos os meus músculos se contraíram. Não que eu ficasse triste e desolada como eu tinha ficado antes, mas a sensação ruim não me deixava em paz.

"Se você se informasse melhor, saberia que epilepsia não mata."

Senti a acidez das minhas palavras o atingir e guardei meu sorriso pra mim, antes de tudo eu devia ser profissional.

"Outra coisa, você agora tem uma consulta marcada pra essa noite com a psicóloga. Boa sorte."

A careta dele, seguida pelo menos se jogando de costas na cama foi colírio pros meus olhos, mesmo que minha intuição dissesse que havia algo a mais naquela armadura fajuta que ela tentava usar. Outra coisa da qual minha intuição estava me alertando era pra não me aproximar tanto dele como eu já tinha tendido a me aproximar.

Como estava no meu escritório, assim que terminei a retrospectiva na minha cabeça, reli os exames que eu tinha trago pra cá pra poder ler sem ficar no hospital. Primeiro porque não queria ver Aninha antes da cirurgia, tinha tomado essa decisão porque tudo sobre ela agora me afetava muito mais. Segundo porque a chance de Vitória ou alguém da família de Vitória estar lá era grande e eu não queria ter que falar com ninguém sobre ela.

A mãe de Vitória retornou na quinta feira à noite pra São Paulo, porque tinha terminado seja lá o que foi fazer no Rio e a primeira coisa que fez foi agendar uma consulta com Luana, porque achava que precisava tirar vários pesos dos ombros antes de reencontrar a filha mais nova. Por questão de ética, Luana não podia me contar mais do que isso, e acho que eu não queria mesmo saber.

"O que tu ainda tá aí pensando que não foi tomar banho e se arrumar?!"

Falando nela, minha irmã entrou no escritório sem o menor senso de discrição, se jogando na cadeira na minha frente. Era tão comum conviver com ela, que às vezes eu esquecia de como ela tava se tornando uma mulher incrivelmente linda, mesmo que um pouco irresponsável.

"Tu não pode entrar assim, sério, é meu escritório."

"E daí?"

"É minha casa também, não sei porquê você ainda não se mudou."

Ela fingiu estar ofendida, com a mão sobre o peito e a cara como se realmente estivesse chocada com o que eu disse, mesmo tendo total certeza de que eu estava brincando.

"Na verdade, já pensei nisso uma vez, mas foi quando você e Vitória tinham aquela coisa, que não podia chamar namoro, mas aí eu percebi que talvez você era quem acabaria se mudando pra lá."

Ela riu da minha feição, rosto de quem já nem conseguia mais se lembrar de todas as vezes que dormiu fora de casa, no apartamento alheio.

"Ana, agora é sério, tu vai ir pro bar mesmo, né?"--Assenti, ela se endireitou na cadeira.--"E tu sabe o que vai dizer quando terminar o show? Ou acha que ela não vai vim falar com você?"

"Eu vou dizer que ela canta muito bem, que nunca vou me cansar de ouvir aquela voz..."

"Se Babi estivesse aqui agora, ela poderia limpar essa baba escorrendo aí no canto da sua boca."

Me deixei rir com ela, não tem nada de errado em me apaixonar, Letícia tinha me ensinado isso, então tudo bem que as piadas se fizessem presentes hora ou outra.

"Tu acha que vai ficar muito na cara que ainda sou apaixonada por ela?"

"Estranho seria se não ficasse na cara de vocês duas." --Ela fez carinho na minha mão e se levantou.-- "Então vai se arrumar, ficar maravilhosa, que não é nenhum trabalho pra você, que eu vou te esperar lá embaixo."

Luana não ia me acompanhar porque simplesmente sabia que eu precisava de companhia, ela ia porque estava saindo com alguém misterioso que iria me apresentar essa noite e isso me deixava ainda mais ansiosa.

Hoje era de longe a noite que eu mais tinha esperado nos últimos meses, mesmo que nada estivesse certo, a incerteza me parecia suficiente demais.

CHAOSOnde histórias criam vida. Descubra agora