Capítulo 21

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A semana passou consideravelmente rápido, tinha visto Vitória pouca vezes, porque quando eu não estava analisando exames, estava em alguma cirurgia ou pós operatório. E não dormir ao lado de Vitória tinha se tornado algo estranho, acordar sem ela então, nem se fala! 

Tinha me focado tanto no caso de Lucas que tinha me esquecido que a cirurgia dele seria no mesmo dia que meu aniversário, sorri ao perceber que salvá-lo seria o presente de aniversário perfeito. Tinha tempo desde a última vez em que eu tinha pego uma causa perdida e transformado em uma vitória, tanto minha quanto da família. Eu estava feliz, completa, jogando bem nos dois lados da minha vida.

Não sei se deus existe, se há uma vida depois dessa, ou se as almas se perdem no universo lá fora. Mas sei que não me importo com isso agora. Eu tinha evoluído mais do que conseguia perceber em menos de dois meses ao lado de Vitória, ela apareceu e fez meu coração todo dela. Então o universo não errou quando a mandou pra mim, e não errou quando mandou os pais de Lucas me procurarem, e não errou no médico no Rio de Janeiro. Tudo tinha saído dos trilhos e agora as coisas estavam voltando ao normal, como se eu nunca tivesse sido arrancada da minha zona de conforto e jogada no meio de um caos que eu não sabia de onde tinha surgido.

"O que acha de irmos juntas falar com Lucas?"  Bárbara tinha ficado o tempo todo no celular, ela disse que estava falando com Luana porque o estágio dela começava na próxima semana e ela começaria na pediatria.

Luana era um ser humano que eu queria poder estudar sem que ela me ameaçasse de morte ou algo assim. Pelo menos depois do dia na cozinha nossas conversas eram mínimas e eu não sabia como me aproximar, tive medo de ter ficado tanto tempo em minha bolha que esqueci de cuidar dela quando mamãe morreu. E fazia total sentido. Pelo menos não a vi chorando por nenhum rapaz e isso já era um bom sinal de evolução.

"A cirurgia dele é amanhã e eu nunca gostei tanto de perder um aniversário teu por causa do hospital." Ela brincou e eu sorri. Bárbara nunca tinha perdido um aniversário meu exceto no primeiro plantão dela e isso com certeza era algo perdoável, porque eu teria feito a mesma coisa.

"Vai perder o sábado também." Completei.

"Faz muito tempo desde a última vez que eu saí de casa num sábado, Ana Clara."  Ela respondeu debochada.

Bárbara nunca foi de reclamar os problemas da vida, ao contrário de mim, e sabia carregar seus pesos sozinha e sem pedir pela ajuda de ninguém, acho que com medo de atrapalhar alguém. Mas ela não era tão fechada, porém depois que perdeu o namorado num acidente de carro quase tudo tinha mudado nela. Me sentia culpada por não poder estar tão presente para ela e isso me corroía, mas eu realmente não sabia como consolar pessoas e dividir sentimentos com elas.

"A gente devia sair pra fazer alguma coisa, Babi. Eu, você e Luana, como antigamente." Percebi que ela me encarou mais profundamente, o olhar de Bárbara carregava o mundo com ela e eu sempre seria agradecida por ter pessoas tão profundas dividindo comigo minha alma rasa. "Tu lembra quando a gente ia pro lago e passava o dia todo lá?"

Sorrimos automaticamente. Nossa adolescência tinha ficado marcada pra sempre, como se nunca fôssemos nos separar ou que o amanhã não seria tão ruim como tinha acontecido. 

"A gente nunca falou sobre voltar pra Araguaína, meu doce de coco." Ela respondeu ainda sorrindo.

"Não quero que a gente volte, quero memórias novas que se comparem a essas ou que sejam até melhores, Bá."

Queria ensinar Bárbara a assistir o pôr do sol e o nascer dele, queria descer pro litoral pra observar as ondas durante a noite, a lua que parecia maior no interior e o céu que tinha mais constelações.

"A gente perde um pouco da essência todos os dias em que deixa a beleza da vida passar despercebida." Continuei.

"A gente salva vidas, quer mais beleza que isso?"

Respirei fundo. Eu tinha descoberto que havia mais coisas na vida do que doar a sua para salvar outras. Tinha amor e paz, e eu sabia que tudo o que precisávamos era disso em certos momentos.

Minha voz cansada trouxe o abraço quente de Bárbara pra mim e ela me apertou dentro dele, como se para calar minhas inseguranças.

"Eu não vou me apaixonar outra vez, Aninha. Mas tô imensamente feliz por você ter encontrado Vitória e ela ter trago esse teu lado de volta." O sorriso fraco me fez sorrir de volta. "Era tão difícil perceber que a vida te sorria e você fechava a cara, agora quem sorri é você e a vida só acompanha."

Meus olhos de encheram d'água e me esforcei para não chorar. Eu estava ganhando minha paz outra vez, sentia dentro de mim que Lucas tinha vindo para trazer minha esperança de volta e isso era incrível.

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